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  2011 REVISTA ORGULHO  -  Orgulho

 
Todo mundo é igual
Por traz da Parada Gay. Em entrevista a Revista Orgulho Adriana Silva conta como funciona a Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo
Por Cauê Goldberg
Fundada em 1999, a Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo defende a diversidade sexual e a igualdade social. Sua luta é por uma sociedade mais justa. A entidade é reconhecida internacionalmente por seu trabalho. Em 2008, recebeu o premio Dorothy Stang — Defensores de Direitos Humanos, das mãos do então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2009, ganhou o Prêmio Cultural LGBT da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural.


O seu principal evento é a Parada Gay, sempre no mês de julho. A passeata é considerada uma das maiores manifestações sócio-político-cultural do País e responsável no período pela maior movimentação turística de São Paulo. Para uns, a parada é sinônimo de festa para outros, de liberdade.


Mas a entidade promove eventos durante o ano inteiro: festivais de música, palestras, seminários e debates, todos abertos ao público. A sua ação mais visível é a criação do Mês do Orgulho LGBT de São Paulo. Em entrevista à revista Orgulho, Adriana da Silva, uma das principais militantes do movimento e coordenadora do grupo interno que dá apoio a travestis e transexuais. Sobre a importância do trabalho da entidade, ela diz: “É lutando que a gente consegue dar força para o nosso movimento e mostrar que todo mundo é igual.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:




Orgulho — Como funciona a Associação da Parada do Orgulho Gay de São Paulo?

Adriana da Silva — A associação funciona da seguinte maneira: quem precisa de ajuda vem aqui, deixa nome, endereço e do que precisa e a gente encaminha para algum grupo interno, dependendo da necessidade da pessoa. Qualquer um pode vir pedir ajuda. O que puder ser feito a gente faz.


Como funcionam os grupos internos?

Cada pessoa é responsável por um segmento. Eu sou responsável pelos travestis e transexuais a Jéssica Ramires é responsável pelo Mães e Pais a Cléo coordena a parte das lésbicas, e o Pierre Ramirez, o Grupo dos Jovens.


No seu caso, como funciona o grupo dos travestis e transexuais?

Temos reuniões às terças-feiras, a cada 15 dias. Debatemos problemas, mudanças e até leis. Conversamos abertamente sobre vários assuntos, principalmente sobre prevenção sobre doenças sexualmente transmissíveis, que é o foco do meu trabalho. Recentemente, participei de um seminário chamado Transexualidade — Saúde Pública no Brasil: Um olhar para diagnóstico das identidades trans. O foco do seminário foi abordar a prevenção na hora do ato sexual, a fim de conscientizar mesmo.


Existem muitos seminários como esse?

Existem, mas não são todos que participam. Eu mesma não participava muito. Foi esse ano que comecei a ir a todos. Inclusive tenho uma semana que vem também. Esse já é patrocinado e organizado pela Secretaria de Cultura.


O que o publico mais procura na associação?

Com certeza, vem gente procurar pelos nossos serviços. Algumas pessoas procuram advogado, pois foi vítima de algum tipo de preconceito ou violência.


Que tipo de preconceito?

Na maioria das vezes, por discriminação no trabalho. É bem grande o número de pessoas que vem aqui procurar advogado ou algum tipo de instrução que não tem a mínima ideia do que fazer. São maiores até que o número de pessoas que sofrem algum tipo de violência. Nesse caso, se a gente puder ajudar, disponibilizamos o advogado aqui da associação. Ele entra em contato com a vítima, conversa e ajuda se for possível. Caso ele não consiga ajudar, encaminhamos para um promotor público que já trabalha com a entidade.


Isso acontece em qual ambiente de trabalho?

Para os gays, não é tão difícil conseguir trabalho, contanto que eles não sejam muito afeminado. O mesmo vale para as lésbicas. Entretanto, os travestis só conseguem trabalhar, sem ser vitima de preconceito, em lugares como cabeleireiro, por exemplo. Em um ambiente como escritório os que conseguem vaga são alvos de piadinhas e discriminação, abertamente. Embora o Brasil esteja melhorando, há lugares onde o povo ainda não tomou consciência de que somos todos iguais.


E os casos de violência?

Esses são mais pessoais. A maioria prefere ir direto para a Delegacia da Mulher do que vir aqui afinal, não temos muito o que fazer. Encaminhamos para um promotor público que é o mais adequado para cuidar disso. Mas a maioria vai direto para delegacia e não passa aqui.


Vocês fazem palestras em faculdades. Como funciona?

Sim. Quem vai é o Marcos Freire. Normalmente, quem chama para fazer palestra são as universidades. Elas servem pra conscientizar mesmo, para mostrar como funciona o movimento.


Quantos trabalham na entidade?

Somos, por volta de 12, todos voluntários. A maioria tem um segundo emprego, pois não trabalhamos, digamos assim, com carteira assinada. Fazemos um trabalho para capacitar militantes, treinar outras pessoas para que elas possam ajudar a entidade, caso queiram.


E os filiados?

Tem bastante também. Mas isso é algo que temos que tomar muito cuidado. Por termos um nome bem forte e conhecido, muita gente tenta se filiar achando que aqui o dinheiro corre solto, acha que somos ricos, quando isso não é verdade. Muita gente já veio aqui querendo se filiar para tentar tirar algum proveito. Afinal, se você faz um projeto com nosso nome a chance de ser aprovado é bem grande. Então, procuramos conhecer bem quem está se filiando e saber se ele realmente quer lutar pela nossa causa.


A entidade tem algum projeto no momento?

No momento, estamos escrevendo um projeto, mas é segredo, não posso comentar. Mas sobre um deles eu posso dizer — é um projeto para termos uma sede própria, pois como você pode ver aqui é pequeno para o trabalho que a gente faz. Imagina fazer um casamento aqui nessa sala pequena?


Casamento?

Sim. Fazemos algumas cerimônias de união estável. Alias, fazíamos, pois desde que foi aprovado pelo governo agora a maioria pode ir ao cartório. Mas estamos pensando em voltar a fazer elas aqui, pois algumas pessoas têm tido certos problemas com isso.


Que tipo de problema?

Ah, algumas dizem que vão até o cartório e são enroladas. Eles dizem que naquele dia não pode, nem no outro, enrolam. A pessoa acaba desistindo e voltando muito tempo depois e a mesma história ocorre dizem que não dá que não pode ainda etc. Então, pensamos em fazer aqui de novo. Temos até um livrinho com tudo anotado, todas as uniões que já fizemos estão aqui guardadas. São muitas, de cabeça eu nem sei dizer quantas são.


O principal evento da entidade é a Parada Gay?

O principal foco é realmente a Parada Gay, em termos de evento. Além de ser uma das maiores do mundo, o preparo começa cedo. Coordenamos e preparamos um evento que conta com mais de quatro milhões de pessoas. Dá muito trabalho.


E como funciona exatamente a preparação?

Funciona assim: os trios elétricos devem ser previamente cadastrados, através do nosso site ou por telefone. Existem algumas casas noturnas também que pagam uma taxa para participar. A arrecadação de fundos também é difícil. É engraçado que algumas pessoas acham que pela parada movimentar um grande fluxo de dinheiro, o pessoal acha que a gente levanta tudo isso, mas não é assim.


Então como funciona a arrecadação de dinheiro para financiar o evento? E até mesmo outros custos como publicidade?

É aí que entram alguns filiados. Por exemplo, todos os cartazes da Parada Gay foram feitos e doados pela Universidade Nove de Julho, por alunos mesmo. Já alguns panfletos, foram doados por um amigo nosso, que é fotografo. Ele chamou o namorado dele e uns amigos e tirou as fotos e produziu tudo. O governo também manda vários panfletos de conscientização e de educação sexual. Dinheiro mesmo para pagar o aluguel da associação e outros custos vem da Petrobras, mas não é nada disso do que todo mundo acha. O dinheiro dá para pagar a luz, o aluguel da associação, o resto é tudo doação.


E como foi a última Parada Gay?

Foi ótima, recorde de público. Só tivemos um pequeno probleminha com a igreja. Fomos alvo de critica devido a algumas propagandas que circularam durante a parada. Feitas pelo nosso amigo fotografo, sabe? O problema foi que fizemos panfletos com uma camisinha do lado de dentro e a propaganda era de alguns meninos sem camisa, vestidos de anjos, outros encostados em uma cruz. A igreja achou isso um absurdo e nos criticou muito. Eu não entendo isso, nós não temos preconceito com ninguém, nunca arranjamos briga. Foi apenas uma propaganda, algo que não deveria machucar ninguém. Não tinha apelo sexual nenhum. Tirando isso, foi um sucesso.


Você acha que um evento como esse ajuda a conscientizar a população?

Claro! A cada ano mais gente aparece na parada. Ela já é uma das maiores manifestações do País. Além da nossa ser uma das maiores do mundo. A nossa organização até produziu até um livro contando a história completa da Parada Gay, desde a sua criação.


Para finalizar. Nos últimos anos, no Brasil, o movimento gay ganhou mais força, parte disso se deve à Parada Gay. Você acha que a violência contra o publico GLBT aumentou por conta da grande exposição que vocês têm agora?

Não concordo com isso. A exposição aumentou, mas a violência sempre existiu, antes apenas não era divulgado. Por conta de novelas e outros meios de comunicação, o povo começou a olhar melhor e ver que não é assim que se trata um ser humano. Não acho que isso seja culpa da mídia. Pelo contrário, agora é que todo mundo está vendo o que acontece. É lutando que a gente consegue dar força para o nosso movimento. Todo mundo é igual.