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  2011 REVISTA VENTURA  -  Ventura

 
A 400 metros de altura: A noiva distante
A cachoeira Véu de Noiva é vista por muitas pessoas, mas poucas a visitam. A reportagem da Ventura foi até lá
Por Felipe dos Santos
Quase sempre o bom observador pode avistar das rodovias Anchieta e Imigrantes um filete de branco mesclado ao verde imponente da Costa da Mata Atlântica. Este fio perdido no meio da serra é a Cachoeira Véu da Noiva. Não é sempre, porém, que se pode vê-la. As condições climáticas, o rumo do vento, o céu limpo e aberto e a posição ideal facilitam o espetáculo.


A cachoeira fica no Parque Ecológico Perequê, em Cubatão. A descida da serra de carro pode levar de 20 a 35 minutos, dependendo do trânsito e da pista em que se está. No parque, o Rio Perequê e as cachoeiras dão um show de beleza. O Véu da Noiva fica no topo da serra, a 400 metros de altura, numa trilha difícil de ser vencida em meio à biodiversidade da Mata Atlântica. Mas o esforço compensa.


Ao chegar em frente ao parque é possível testemunhar o contraste entre a natureza e as indústrias ao redor. Uma placa desejando as boas-vindas foi pintada recentemente. No dia da visita, era possível sentir o cheiro de tinta fresca. Ao ultrapassar a placa de boas-vindas, o visitante percorre um quilômetro de asfalto até a portaria do Parque Perequê. Neste quilometro, trava-se o duelo de tons entre o verde e o cinza. A intromissão das indústrias termina após a chegada à entrada principal. Do portão pintado de verde em diante somente a natureza predomina. Na esquerda, o verde e o rio desembocam estrada afora. Na direita, o cinza representa os contêineres protegidos por muros com cercas elétricas.


O Perequê permaneceu anos fechado e inacessível ao público. A relação entre o parque e a empresa Rhodia nunca foi de harmonia. Em 1976, esta assume definitivamente que, diante da falta de espaço físico no interior da fábrica, despejou clandestinamente rejeitos tóxicos ao redor do parque. Depois de anos enfrentando problemas judiciais, em janeiro de 2002 a Rhodia anunciou a sua retirada da região, sem oferecer, no entanto, garantias quanto ao cumprimento das obrigações impostas perante o imenso passivo socioambiental.


Travou-se, então, a luta para a recuperação do Parque Ecológico Perequê e de suas belezas naturais. Nesse período, chegar ao Véu da Noiva era praticamente impossível. Aventureiros corriam sérios riscos, inclusive de morte. Sem mencionar os riscos de ser atacado por animais selvagens e peçonhentos que habitam a mata. O local ficou praticamente abandonado e o acesso às cachoeiras era precário. Até hoje a trilha deve ser percorrida com a presença de um guia. Agora, o Perequê oferece uma boa estrutura para os visitantes.




A noiva à nossa espera


Com ajuda do guia Wellington Pinheiro, funcionário do parque, fomos conhecer o Véu da Noiva, a maior e mais inacessível cachoeira da região. O chão batido de terra, misturado com pedra, dificulta a caminhada. A cada passo, o trecho fica mais difícil. O nível da água do Perequê não é fundo, o que possibilita andar pelo rio. Mas as dificuldades persistem. A correnteza e as pedras enormes e escorregadias dificultam o trajeto pela água.


Antes de chegar à trilha principal, o verde, o barulho das aves e os ruídos do rio se misturam aos gritos da criançada, ao aroma de churrasco e ao forró. São homens e mulheres que frequentam o trecho como lazer. Contudo, toda a algazarra vai ficando para trás e as águas correntes ganham força, aliadas ao verde predominante na aventura. Distante da “civilização”, a brisa é mais forte. O repelente não espanta mais os borrachudos que iniciam o ataque contra os que insistem em chegar ao Véu da Noiva. É como se a natureza reclamasse: “O que vocês estão fazendo aqui?” Um corredor cercado de árvores — foram homologadas 178 espécies no parque — e plantas raras é o primeiro indício das dificuldades e da aventura que estão por vir. O guia para e avisa:


— A partir de agora, estamos sendo observados pela natureza. Aqui, é o habitar dela e nós somos os estranhos...


A secretária Patrícia Dantas Pereira dos Santos, que fazia a trilha comigo, segue com passos firmes atrás e diz:


— Impressionante, o clima é bem diferente nesta parte da trilha.


Wellington fala sobre as espécies vegetais neste trecho da mata. Seguindo a trilha, aponta:


— Olhem o buraco naquele tronco de árvore ali... Vocês podem ver?


O tronco de árvore não é grande, por isso é fácil enxergar o buraco. Foi feito por um pica-pau. Essa espécie de ave habita essa parte da selva. Pouco mais de 300 metros depois da marca do pica-pau, Wellington mostra um buraco de uns 30 centímetros no solo: é uma toca possivelmente feita por cobras jararacas ou jaracuçu, que ficam submersas no solo. Nessa primeira parte da caminhada, avistamos a samambaia de metro ou arborescente, o xaxim.


— Essas plantas eram muito comuns em residências. Hoje, é proibida a retirada delas — avisa Wellington


Nesse corredor, a Mata Atlântica ainda não é tão severa, mas as borboletas de várias cores sobrevoam sobre nós. Já bem distante da entrada principal do parque, ao andarmos, sentimos algo nos rostos. São teias de aranhas. É possível encontrar no caminho variedades de aranhas, até mesmo venenosas.


Fim da primeira parte da trilha. Após este trecho é preciso atravessar o rio. Agora, a tarefa ficou um pouco mais fácil, isso porque as chuvas fortes de maio provocaram deslizamentos que arrastaram mais pedras para o meio do rio, sobre as quais tentávamos nos equilibrar.


A próxima parada é bem mais difícil. A natureza parece neste momento não querer que adentremos a mata. O corredor fica mais estreito. Em determinados pontos, passarmos com o glúteo no chão. O suor começa tomar conta dos corpos, as gargantas ressecam e a sede aumenta junto às dificuldades do percurso.


Uma trégua da natureza no meio do caminho. Wellington nos apresenta as bromélias. Elas nascem no solo, mas há as que preferem as sombras nos troncos de árvores e as que procuram luzes difusas. As bromélias são capazes de grande absorção de água, por isso a adubação líquida é a mais recomendável para o seu cultivo. Bebemos então a água que brotava dessas plantas. Depois, o guia nos instruiu:


— Sempre que estiverem numa aventura no meio da mata, a cada 200 metros façam uma marca nos troncos das árvores. Isso evita que vocês se percam. Conheço bem essa trilha, por isso não preciso demarcar o caminho.


Em seguida, avistamos os cipós, uma planta lenhosa e trepadeira, firme como corda. Típico das florestas tropicais, o cipó nasce próximo a uma árvore da espécie já existente. Esse processo ocorre para que as árvores mais novas assimilarem os nutrientes das mais velhas, até as árvores mais antigas morrerem. Todo este processo é facilmente visto na trilha rumo ao Véu da Noiva.


— Muito cuidado onde colocam as mãos — alerta o guia. — Nem sempre os que estão entrelaçados nas árvores são cipós às vezes, são cobras e a defesa delas são os ataques.


As cobras que costumam ficar nesse tipo de árvores não são venenosas, mas o ferimento demora a cicatrizar. Após uma hora e meia de aventura é preciso atravessar um pedaço complicado, até mesmo para quem está acostumado a fazer aventura. Para facilitar o acesso que a natureza insiste em dificultar, foram coladas duas cordas para uma travessia por um barranco bem estreito. Uma pedra com uns 80 centímetros — mal passam os dois pés juntos — fica rente à encosta da mata. É preciso segurar bem firme e se apoiar na corda a cada passo. O vento no corpo e as pedrinhas caindo no precipício, que não é tão fundo observando-se de cima da pedra. Mas uma queda daquela altura pode levar à morte.


— Será que vou conseguir? — indagou Patrícia.


Depois de passar o sufoco da corda e do precipício, mais uma ribanceira a ser escalada. Agora, escorregamos muito nas pedras e as águas da cachoeira dificultam mais ainda a travessia. Após meia hora neste último trecho, enfim chegamos ao Véu da Noiva. No total foram duas horas e cinco minutos de caminhada até a última cachoeira do parque.


— Graças a Deus, aqui estamos! Este é o Véu da Noiva — apresenta Wellington.


Os aventureiros vibram e até mesmo gritam de alegria. As vozes multiplicadas formam ecos. A acústica natural.