|
Home
Sobre
Equipe
Email
Edições
|
|
2011 REVISTA VENTURA - Ventura
|
Navegar é preciso!
|
 |
Longe da rotina das grandes cidades, turistas se divertem no rio Itanhaem |
 |
Por Aline Almeida |
|
 |
Duas horas e sete minutos de imersão. Velocidade: 10 km/h. O destino? Pouco importa. Aqui, como em nossas vidas, é o caminho que interessa. As curvas que serão escolhidas, a brisa que irá compartilhar com o sol a missão de enfeitiçar os tripulantes serão os carros-chefes.
O barco é simples, com oito bancos que ajeitam até três pessoas. Pequenas e brancas acomodações que se tornam tronos, tamanha é a sensação de majestade que se apodera desses aspirantes de desbravadores.
Os olhos denunciam a surpresa. Será deslumbramento com o verde da Mata Atlântica preservada? Ou o negro das águas que espelham a paisagem? E o sol? Ora, o equilíbrio é que transforma feições ao longo do percurso.
O passeio pelo Rio Itanhaém ocorre duas vezes ao dia, às 9h30 e 15h30, quando se alcança o número mínimo de seis passageiros. A saída é no píer da Alameda Emídio de Souza, na Praia dos Sonhos. Desde o primeiro passo adentrando a embarcação até o motor ser ligado, nota-se a tensão. No teto, estão cinco coletes salva-vidas, e dentro da cabine de comando estão mais 15, além de três cadeiras. Os dois condutores não solicitam que os coletes sejam utilizados. E os tripulantes parecem não se importar com o acessório de segurança.
Alviceleste, o barco é desamarrado, e a viagem se inicia. O ronco do motor, próximo à paisagem urbana não destoa, ainda. A saída é bem próxima da praia, na Boca da Barra, e o rumo que seguirá não é o mar, é rio. Se a ordem, digamos natural, dele é seguir no sentido de um oceano, então o esquife está remando contra a ‘maré’ do rio. Flutua no agora denominado Rio Itanhaém. Sua cor sombria dissimula sua origem.
De início flutua sob a ponte Sertório Domiciano da Silva, conhecida com ponte do Rio Itanhaém. Após algumas centenas de metros é a vez da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega ser vencida. O cais é visualizado. É o Píer do Guaraú. Ele fica à direita, e sobre ele pescadores, comerciantes, turistas e visitantes se espalham.
A partir daí, Itanhaém urbana tornar-se-á Amazônia Paulista, devido a grande diversidade de flora, fauna e bacia hidrográfica extensa. No barco, os quatro tripulantes já não visualizam a civilização. Começam a submergir lentamente, sem notar. Se no início o rio não é tão largo, após alguns minutos suas margens vão ficando cada vez mais distantes uma da outra. Ao contrário disto, os olhos vão se estreitando, com a admiração explícita.
A embarcação não trepida muito, é possível caminhar com facilidade e segurança. O primeiro a se aventurar no convés é Luis Marcoto Sakamoto. Ele deixa seu banco para trás e segue para a proa do barco. Após breve observação, retorna satisfeito.
Após breves minutos a paisagem recebe o visitante. O singelo barco de pesca branco e vermelho, com traços visíveis de ferrugem, está na margem, até então imóvel. O capitão segura sua vara, seu leme. Olha para os curiosos que estão perscrutando a região. Outros barquinhos, com um, dois ou três pescadores são avistados ao longo do caminho.
Eles já estão alcançando a grande bifurcação à frente. A esquerda é escolhida. Adentram então, no braço do Rio Preto. Por lá a vegetação flutuante simula a grama de um campo de futebol. Nas margens, a vegetação muda. Galhos retorcidos que parecem ter a pretensão de se conectar com as águas. Alguns, ao longe, parecem corpos estendidos sobre a água negra.
Agora quem aparece são as alegres vitórias-régias. Ao longo das margens do negro rio, elas dançam no compasso do movimento fluvial, sem se importarem com a passagem da embarcação. Formam desenhos, traços e formas que seduzem quem as admira.
Após mais de uma hora de passeio, começam os passageiros a avistarem construções ao longo das margens. É aí que as feições alteram-se. Passam da mais profunda sensação de distância da realidade para a profunda e triste sensação de saber como o homem pode alcançar o ápice do egoísmo.
Um paraíso como este é invadido por intrusos que além de fincarem suas instalações, fazem isso o mais próximo possível das margens. A paisagem antes intocável, agora surge com comércios, casas, quiosques.
Depois de quase uma hora no barco, agora é a vez dos passageiros desbravarem a terra firme. Chega o momento de desembarcarem por 45 minutos. A parada é em uma lanchonete no bairro Country Clube. Lá espalhadas estão 25 mesas. Assim que atraca, os passageiros seguem, em fila indiana, pela pequena ponte que separa o rio e o comércio. Os responsáveis pela embarcação autorizam a descida, apesar do receio acerca da ponte, que visivelmente irá tremer quando passarem.
Os quatro passam lentamente pela precária construção e alcançam a firmeza da terra. Ainda em duplas, fazem seus pedidos, andam pelo local e comentam sobre o passeio. Luis Marcoto Sakamoto e o filho Rafael sentam em uma mesa e parecem relembrar cada pedaço do passeio realizado. Os dois moram em São Bernardo do Campo e a família possui uma casa de veraneio a 16 anos em Itanhaém. É a primeira vez que realizam o passeio. Mas como ficaram sabendo da incursão ao paraíso? “Eu vi no site Globo.com, o jornalista Márcio Canuto recomendou”. Rafael Sakamoto aprovou a dica. “Gostei mesmo. Foi muito bom”.
Luis, pai de Rafael, não aparentar ter os mencionados 56 anos. Ele, que trabalha em São Paulo, sabe bem como duas horas assim são importantes. “A gente que fica no trânsito quase esse mesmo tempo, dá valor para isso!”. Os outros dois tripulantes chegam à mesa ocupada por Luís e Rafael e a roda de conversa tem protagonista. A viagem conecta as pessoas, tem o poder de ligá-las. A professora e pedagoga Lucia Gualberto Badan mora em Santo André e estava de passagem pela cidade na casa da mãe. Ela fica fascinada pelo trajeto. “O verde é impressionante. Vale a pena”.
Seduzidos pelo poder da aventura, eles dividem não só a porção que é servida. Dividem o valor daquele momento. A conversa segue animada. Luis conta como chegou ali. “Eu já havia tentado fazer o passeio outras vezes, mas não deu certo. Hoje, consegui, e gostei”. Se a professora Lucia indica, não restam dúvidas. “Recomendo sim. É excelente”.
Bom, o passeio possui esta escala definida em seu itinerário. Qual será o acordo que existe entre os proprietários dos barcos que ali atracam e a lanchonete? É algo que está na cabeça de todos, mas não é proferido por ninguém. A proprietária do comércio, Vania Ginalva Gonçalves, nega a existência de algum pacto financeiro. Ela o marido mantêm o negócio há 17 anos os filhos estão no local, espalhados pelo balcão, interior da cozinha e mesas.
Além do comércio de alimentos, os filhos são sustentados por outros meios de renda. “Pescamos com nossos dois barquinhos e vendemos os peixes que não usamos aqui”. A renda aumenta na temporada, quando eles alugam caiaques pelo valor de R 5,00.
É hora de voltar
A conversa está em no auge quando o cordial Ademir Rosa Garcia, marinheiro auxiliar de convés, convoca o retorno da trupe ao barco. Todos se despedem, dão a última apreciada no estilo de vida da família e seguem de volta pela sofrível ponte até o convés.
Ainda trocam ideia com Jorge Luis Gama da Silva acerca dos peixes que são encontrados no rio. “Aqui tem muito robalo”. Com simpatia, o também apicultor Jorge liga o barco para a última parte do passeio.
Retornam pelo mesmo caminho da ida. Agora os condutores explicam que quando na ida passaram por uma bifurcação e entraram à esquerda, escolheram o Rio Preto. Caso tivessem escolhido a direita, teriam adentrado o Rio Branco.
Despedida
Assim como em qualquer viagem, o retorno traz consigo a sensação de que momentos bons duram frações de segundos. Agora, o sol começa a abandoná-los, tornando a sensação ainda mais pungente. A paisagem não é mais a mesma. Ela agora se prepara para receber a Lua. E vai se transformando ao longo do retorno.
Os segundos voam, os minutos fogem do controle quando percebem não é apenas o passeio que está acabando. Em cada semblante estampa-se a sensação de que ter feito o passeio foi uma belíssima escolha. Ao mesmo tempo perguntam-se: Por que não fiz isso antes?
A tristeza se dá não somente pelo término e sim pela consciência da realidade que os espera fora daquele branco convés. Saem sorrindo do barco. Despedem-se um dos outros e seguem silenciosos pela alameda. O barco estará sempre lá. Com horário marcado, com seus bancos aguardando novos e velhos exploradores que certamente voltarão.
|
|
|
|
|
|