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  2011 REVISTA VENTURA  -  Ventura

 
Quando trabalho e ecoturismo caminham juntos
Empresas buscam no turismo ecológico uma alternativa para solucionar problemas entre funcionários
Por Elizabeth Soares
Muito verde, cheiro de mato e de terra, sons de pássaros e outros animais silvestres quebrando o silêncio... e colegas de trabalho reunidos. Não, não é um sonho daqueles em que personagens e ambientes da sua vida, que aparentemente não têm relação alguma, misturam-se em uma imagem que não faz sentido. Essa cena é real e já aconteceu algumas vezes nas trilhas, cachoeiras, parques ecológicos e travessias da Baixada Santista e do Vale do Ribeira.


De acordo com algumas agências especializadas em turismo ecológico, é possível despertar características para atuar no mundo corporativo, a partir de experiências que aproximem os homens da natureza. Liderança, autoconfiança, capacidade de ouvir e cooperar com o grupo são qualidades que as empresas querem que venham à tona ao optar por essa alternativa nada convencional de treinamento.


Cercada pelo mar de antigas e modernas construções, a Harpya, empresa de Ecoturismo que há 22 anos atua em Santos, se assemelha a uma ilha verde, um pedaço de natureza perdido no espaço dominado pelo concreto. Ao entrar pelo portão da modesta casa, que parece totalmente feita de materiais naturais, fui recebida por Nina, uma cadela dócil e carismática.


Sua dona, Lucia Valente, é a responsável pela agência. Há cinco anos ela desenvolve o trabalho de ecoturismo voltado para empresas. Com um sorriso que tenta ao mesmo tempo me cumprimentar e se desculpar pelo arroubo de felicidade com que Nina me recebeu, ela abre a porta da Harpya, que em nada lembra as suntuosas e pedantes construções atuais.


Lucia conta um pouco da história desse tipo de atividade que pouca gente conhece. Seu interesse por essa trilha do ecoturismo começou com o Projeto Cooperação, um trabalho de pós-graduação desenvolvido na Universidade Católica de Santos, do qual participou. O projeto pretendia desenvolver o cooperativismo em empresas, mas com atividades que se davam em ambientes urbanos. Com a troca de experiências entre grupos de São Paulo e de outras cidades, durante eventos que reuniam agências de ecoturismo, surgiu a ideia de transferir este tipo de trabalho do ambiente urbano para o ambiente natural.


Desde então, Lucia realiza passeios ecológicos com atividades específicas para a necessidade de cada empresa. Nessa caminhada, muitas histórias foram marcantes. Ela conta que, certa vez, o proprietário de um salão de beleza procurou a agência para tentar inibir um problema aparentemente comum nesse ambiente, mas que dificultava o a ascensão do seu negócio: a fofoca. “Ele dizia que um funcionário sabotava o outro e isso o fazia perder clientes”, lembra. Neste caso, o roteiro do passeio foi voltado para a manifestação e o reforço das características positivas de cada membro do grupo e, em seguida, o cooperativismo.


Ao longo da conversa, notei que o mundo corporativo tem sede de profissionais que se destaquem por qualidades que beneficiem a equipe e, consequentemente, mantenham ou melhorem o nível da produção. A natureza das “virtudes” exigidas no perfil do funcionário varia de acordo com a expectativa do mercado. Considerando essa diversidade de metas e perfis, a agência de ecoturismo sugere as trilhas adequadas aos objetivos da empresa-cliente, respeitando a faixa etária e a capacidade física dos funcionários para determinadas atividades.


O passo seguinte é planejar as estratégias para atuar com o grupo. Para isso, Lucia se reúne com o gerente Paulo do Carmo e uma equipe de monitores que acompanharão o grupo pelo “desafio ecológico”. Nessas atividades, os participantes são estimulados a trabalhar características como capacidade de cooperação, liderança, entre outras.


Para que os impactos humanos no ambiente natural não sejam danosos ao ecossistema dos locais de visitação, os grupos aceitam no máximo 15 pessoas. “Caso a empresa tenha um número maior de funcionários, estes são divididos. Isso evita, por exemplo, que o cheiro de perfumes ou o excesso de pessoas pisando nos mesmos locais do solo gerem incômodos à fauna e prejuízos à flora”, explica Lucia.


Mas este trabalho vai além do despertar para características individuais e coletivas adormecidas, segundo Paulo do Carmo, que trabalha na Harpya há dez anos. Ao longo das atividades, os monitores refletem junto ao grupo questões ligadas ao consumo, sustentabilidade, respeito à natureza e à relatividade do conceito de riqueza e pobreza. Para os responsáveis pela agência, essas reflexões frequentemente são contrárias à visão das empresas-clientes, interessadas no aumento da produção e dos lucros. “Por isso, precisamos ser sutis”, conclui Paulo.


As consequências de uma experiência como esta podem gerar mudanças íntimas importantes, com reflexos tanto na vida profissional quanto pessoal dos participantes. Foi exatamente o que aconteceu com Ana Claudia Ometti em um desses passeios, promovido pela empresa de logística internacional na qual trabalhou até 2006. Formada em comércio exterior, na ocasião era assistente de importação. Ela lembra que no dia do passeio participou de várias atividades e interagiu com pessoas diferentes das quais tinha maior contato na empresa. “Fomos separados em grupos, nos quais as panelinhas foram desfeitas”.


Envolvida pelo contato com a natureza, talvez inebriada pela naturalidade, Ana Claudia resolveu remover o verniz social. Limpa, viu-se melhor. E viu também seus companheiros de trabalho. Despidos dos crachás e dos títulos, todos estavam nas mesmas condições. Sentiu-se à vontade entre eles pela primeira vez. Finalmente, podia ser ela mesma, sem precisar seguir o padrão de perfil e de comportamento ditado pela empresa.


Contaminados pelo vírus da natureza, ainda não identificado, também os chefes mudaram a postura. Desenvergaram a coluna, curvada pelo peso dos cargos, e se esqueceram da dureza que quase sempre vem aliada ao poder. Por instantes, aliviaram-se. Como prêmio ou castigo, foram compelidos a verificar, ao longo das atividades ao ar livre, que para o grupo alcançar o intento todos precisam ser ouvidos e ter as opiniões consideradas. Respeito é isso. Mas será que, como todas as viroses desconhecidas, esta se foi da mesma maneira misteriosa que chegou?


Ana Claudia responde por si. Ela recorda que entrou no mundo corporativo por influência da mãe, que já trabalhava no ramo e possuía contatos com empresas de logística internacional. A então adolescente Ana passava por aquela fase de dúvidas quanto ao futuro profissional. Deslumbrou-se com a possibilidade de contato com pessoas do outro lado do mundo. Decidiu cursar comércio exterior, acreditando que com o apoio da mãe seria mais fácil conquistar seu espaço no universo do trabalho. E de fato isso ocorreu por certo período.


Mas com o passar do tempo, como bem ensina a natureza, até a mais dura das rochas se transforma em poeira. O encanto foi aos poucos soprado para longe. O interesse se decompôs. A adulta Ana Claudia decidiu que algumas coisas precisavam mudar. Aprendeu com o tempo que sentia falta dele. Queria e merecia ser mais valorizada por seu trabalho. E nem sempre um desejo como esse pode ser realizado no concorrido mundo dos negócios.


Faça, conheça, produza mais e mais! Estas ordens nunca eram ditas assim, tão claramente, talvez impedidas pela cortina de fumaça dos cigarros dos chefes ou distorcidas pelo verniz inventado e usado pelos seres humanos, sem restrições. Mas ao decodificá-las, a moça franzina e de olhar meigo percebeu que quanto mais as aceitava, mais era cobrada. Num lampejo, viu que talvez fosse a hora de desobedecê-las.


Como o rio sempre segue o destino em direção ao mar, surgiu no curso de Ana Claudia a possibilidade de trabalhar em contato com a natureza. Não teve dúvidas. Hoje, tem uma pequena empresa que oferece produtos orgânicos a internautas. Distante da rotina que a prendia por oito horas diárias em um escritório, diz ter encontrado no campo, o novo ambiente de trabalho, uma maneira mais sensata e paciente de perceber o mundo: “Da natureza, você não pode cobrar nada. Com ela, você aprende a esperar, a cobrar menos do outro e de você mesma. Estou me encontrando nesse novo ramo, apesar das dificuldades iniciais, sempre comuns”. Hoje, percebe-se como uma mulher que conhece a sua natureza. Aquele passeio ecoturístico, enxertado às lembranças das experiências difíceis, aproximou-a da sua essência. “Mudei muito de vida, mas na verdade sempre foi este o meu perfil. Agradeço por tudo o que tenho, embora às vezes a vida pareça árdua”.


Apesar de todas as metamorfoses na história da microempresária, ela acredita que não existem fórmulas mágicas e instantâneas para a transformação do modo de olhar o mundo. É preciso ter uma sensibilidade já desperta para notar, durante um passeio como o oferecido pela empresa onde Ana trabalhava, que o contato com a natureza pode melhorar as relações interpessoais. “Quem não tem essa sensibilidade, esse olhar para os benefícios trazidos pelo contato com a natureza e com os outros semelhantes, não consegue perceber, tão rapidamente, o quanto isso é importante”, conclui.