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2011 REVISTA MUNDO ECOLÓGICO - Mundo Ecológico
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A difícil tarefa de mudar
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Sair de uma hora para a outra do único local que você sempre chamou de lar pode não ser tão fácil assim. Apesar dos riscos, algumas famílias da Serra do Mar preferem seus “barracos” às casas oferecidas pelo Governo e a Prefeitura |
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Por Jessika Nobre |
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Ainda está escuro quando Railda Cavalcante dos Santos acorda para ir trabalhar. Às 4h da manhã o silêncio da madrugada ainda é intenso, mas os pássaros já avisam que o dia está começando. Ela mora no bairro Cota 200 dentro do Parque Estadual da Serra do Mar. Ela ajuda a mãe em um bar que possuem na cidade de Cubatão, perto da delegacia do município. Por volta das 5h30 Railda pega o ônibus que a levará ao trabalho. Como serve o café da manhã para trabalhadores da cidade por volta das 6h30, essa moça de apenas 23 anos, tem que deixar tudo pronto para a chegada de toda a turma. E a sua rotina não termina por ai. A jovem sai do bar entre 15h e 16h da tarde. Quando não tem serviço na loja de brincos na qual faz trabalhos extras, vai para casa ou para a igreja Vida Nova.
Cinco de janeiro de 1988, a mãe de Railda sente as dores do seu parto. Como ela morava nas Cotas, para sair do local foi necessário chamar um táxi. A menina nasceu de parto cesariano, no hospital Oswaldo Cruz em Cubatão. Desde então ela passou a infância nas Cotas. “Aqui é bom, pois é muito sossegado”, diz a jovem. Segundo ela, um dos maiores problemas enfrentados pelos moradores é a falta de lazer, pois no local não há lugares para a diversão e com isso as pessoas têm que sair da Cota para se divertir. No bairro também não há farmácias quando necessitam comprar remédios eles saem do bairro, atravessam a passarela na rodovia Imigrantes e dirigem-se até um estabelecimento farmacêutico local. O único posto de saúde fica aberto até às 17h. Quem passa mal após este horário é levado para um hospital na única ambulância da área, ou recebe atendimento de um enfermeiro quando o problema não é tão sério. O hospital fica a 10 minutos do bairro Cota 200.
Quem avista de longe, enxerga um monte de casinhas que mais parecem caixinhas de fósforos amontoadas umas em cima das outras. Mas dentro destas pequenas moradias existem famílias e vidas que se expuseram a riscos ambientais em uma área que não teve a devida atenção das autoridades por mais de 40 anos. Os bairros “Cota” estão situados nas encostas do Parque Estadual da Serra do Mar, e chamam atenção de quem passa pela Rodovia Anchieta. Com 19.000 mil habitantes e uma vasta miséria, o local aguça a curiosidade de quem passa pela serra.
As áreas invadidas contam com dez bairros: Pinhal do Miranda, Grotão, Morro do Gonzaga/ Cota 100, Cota 95, Cota 200, Cota 400, Cota 500, Água Fria, Pilões e Mantiqueira. Todas elas já foram identificadas como áreas de risco. O governo do estado de São Paulo, com o auxílio da Prefeitura de Cubatão, iniciou um projeto de recuperação sócio-ambiental da Serra do Mar em março de 2010, para a desocupação de casas que estão com alto risco de desabamentos. Até 2020 o projeto deverá estar finalizado.
Residente no bairro Cota 200 há 23 anos, Railda Cavalcante acredita que ter a sua casa própria é muito melhor, mas muitas pessoas ainda optam por não sair da região invadida, pois construíram com dificuldades seus barracos. Para eles, não vale a pena sair das residências.
Walkyria Marques, Gerente de Ações de Recuperação Urbana I da CDHU, afirmou que serão retiradas aproximadamente 5.388 famílias dos bairros. Uma decisão judicial obrigou o Estado e a Prefeitura de Cubatão a desocuparem as regiões do Parque Estadual da Serra do Mar, proporcionando atendimento habitacional para todas as famílias desabrigadas. Até o momento foram retiradas 1.050 famílias que residirão em unidades habitacionais de Cubatão e toda a Baixada Santista. Atualmente, vivem 7.851 famílias nos bairros Cota. Com a remoção de 5.388, cerca 2.463 famílias permanecerão nos bairros. Segundo Walkyria, quem continuar na região é porque está fora das áreas com risco de desabamento.
Conscientização
O ambientalista Nelson Rodrigues acredita que a pressão da sociedade e do movimento ecológico, conscientizou o governo a tomar uma atitude contra a invasão e a contaminação da Serra do Mar. “Através de muitas reportagens e ativismo, os cidadãos mais sensíveis conseguiram apertar as autoridades para resolver o problema dos bairros Cota”, disse o ambientalista. De acordo com Rodrigues, a dominação da Serra do Mar começou quando muitas pessoas que trabalhavam nas indústrias de Cubatão, por falta de espaço na cidade começaram a invadir o parque para construir barracos. “O governo comprava os votos do povo e em troca oferecia a eles água, luz e tudo que precisavam”, completou Rodrigues. Com as adaptações da população nas áreas de riscos do Parque Estadual da Serra do Mar e o auxílio do governo, a ocupação ficou desordenada nesta região.
Hoje com dez filhos e dez netos, morador da Rua 23 do bairro Cota 200 há 29 anos, Francisco Leite da Silva, também conhecido como “Bigode”, é vereador da cidade de Cubatão. Ele nasceu no Rio Grande do Norte e chegou à cidade em 1971. Começou a trabalhar dentro do restaurante industrial da empresa Cosipa, e logo ingressou na política. A partir de 1982 passou a morar na Cota 200 e tornou-se presidente da sociedade melhoramentos do bairro. Venceu as últimas eleições com 1.399 votos. O vereador acredita que para quem mora nas Cotas a situação é crítica. Sair de casa quando ocorrem acidentes, por exemplo, é quase impossível, pois em algumas situações a pista é interditada e as pessoas ficam sem condições de deixar o local.
Mas por outro lado “Bigode” adora viver nas Cotas, pois o ambiente é tranquilo, a água é potável e ele mantém laços de amizade com a comunidade. Mesmo vivenciando um clima agradável no bairro onde mora e sem vontade de sair das Cotas, o vereador aprova o projeto criado pelo Governo do Estado, e diz ser muito bom para a população que vive nas encostas da Serra do Mar. Ele já está na lista de espera da CDHU e só aguarda ser chamado pela empresa para fazer a mudança.
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