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2011 REVISTA MUNDO ECOLÓGICO - Mundo Ecológico
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A repórter “carrinheira”, por algumas horas
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Não é uma tarefa fácil. O carrinho pesa e pode tombar, se não soubermos equilibrá-lo. E precisamos prestar atenção no trânsito |
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Por Jéssica Branco |
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Todos os dias, sem exceção, José Zacarias acorda às quatro horas da manhã para trabalhar na orla da praia. Utiliza um carrinho fabricado por ele com uma geladeira porque é mais leve para carregar materiais recicláveis pesados, como latinhas entre outros.
À tarde, o trabalho continua. A segunda etapa do dia é ir até diversas feiras-livres para recolher papelão, para isso o carrinho já é maior e mais pesado, confeccionado também pelo engenhoso Joel, é claro. O carrinheiro é cadastrado na CET, e seus carrinhos são emplacados. Todo mês de julho é preciso renovar o cadastro.
Por fim, chega o terceiro e último turno de trabalho do carrinheiro.
Às sete horas da noite, Santos está movimentada. Muitas luzes de faróis brilham por todos os lados. Pessoas passam para lá e para cá saindo apressadas do trabalho. Poucos o notam chegando pelas ruas com seu carrinho. Ele é prático e rápido, já são 25 anos de experiência notável.
Do outro lado da calçada eu estava a observá-lo, atravessando a rua para ir a seu encontro. Tentei vestir-me com simplicidade, um casaco e um jeans meio desbotado e o meu tênis um pouco surrado, o de sempre. Fiz um coque no cabelo para não chamar a atenção. Minha vaidade não permitiu que eu tirasse meu discreto brinco falso perolado de plástico, já que eu estava sem nenhuma maquiagem.
Levei um casaco mais bonito na bolsa para somente me vestir “feiamente” quando começasse a trabalhar como carrinheira, mas tomei coragem e entrei no ônibus, mal vestida. Na verdade eu não estava tão ruim e era minha vaidade que estava sofrendo a tal ponto que, sendo coisa da minha cabeça ou não, já não sentia aquela simpatia e o sorriso das pessoas ao pedir licença a elas para passar pelo corredor.
Queria me sentir como ele e de fato isso aconteceu antes de eu começar o trabalho. Meu orgulho disparou um pequeno flash de arrependimento de estar ali. Mas no final, não queria ter desejado que a cidade se esvaziasse logo a fim de menos pessoas me verem em ação.
Mesmo eu me considerando a caráter, quando coloquei as mãos na massa, os olhares foram inevitáveis. E ao contrário da vaidade que senti no início senti um inesperado orgulho de estar fazendo aquilo. Dediquei-me da melhor forma possível. E com a mesma sinceridade que usei ao assumir meu arrependimento prévio, afirmo que me senti completamente feliz, mais do que quando consegui uma entrevista em uma inauguração de um espaço cultural com o Ministro da Cultura brasileiro.
Estávamos em frente a uma loja de sapatos na Av. João Pessoa no Centro de Santos. Com sua simpatia e organização a loja era uma de suas fontes vip´s de lucro, apenas Joel recolhe os papelões de lá. Com o dinheiro dos materiais recicláveis que recolhe, no final do mês, Joel ganha o suficiente para comer e pagar o aluguel de trezentos reais. Ele faz contato por telefone, realiza serviço de carreto para conseguir um dinheiro extra. Joel nunca morou na rua.
Enquanto eu e Joel trabalhávamos, ele me ensinou um segredo e foi a parte que mais gostei do trabalho: as caixas precisam ser desmontadas para colocar no carrinho e para isso é preciso dar um soco na parte debaixo, assim o processo é mais rápido e elas se desmontam instantaneamente.
Chegou a hora de sair com o carrinho e então me ofereci para conduzi-lo e foi aí que percebi que estava sendo observada ainda mais estranhamente, mas isso não me comoveu. Reparei que os braços do carrinho estavam muito altos e não adiantava apenas fazer força para levá-lo adiante. Tive que jogar o peso do meu corpo todo, ainda bem que não sou leve, e assim puxá-lo para seguir em frente.
Então, deparei-me com um desafio: Como prestar a atenção no trânsito? Manter a estabilidade do carrinho por causa das depressões nas ruas? Puxar o carrinho com força para aumentar a velocidade e ainda não parar de usar o peso do corpo para o carrinho não tombar para trás?
Meu coque de cabelo soltou, meu nariz começou a coçar e eu já estava transpirando por estar de casaco, mas eu não podia parar, senão corria o risco de ser atropelada como Joel me contou que já aconteceu com conhecidos.
Dez centavos o quilo
O que se faz com R 0,10 centavos? Hoje, nem um chiclete dá para comprar. As empresas compram o papelão do carrinheiro por dez centavos o quilo para depois venderem nas Indústrias de Reciclagem em São Paulo por um preço bem maior.
Existem locais que pagam vinte centavos o quilo, mas ele prefere vender por mais barato. Nesses locais mais caros, os carrinheiros usuários de drogas roubam uns aos outros e há muita confusão. Ao passar por lá mais cedo, um deles se apavorou com a minha presença pensando que eu queria fazer uma foto dele, sem eu ao menos tentar ele ameaçou pegar minha câmera me seguindo até o final da rua.
Primeira parada, depois dos apuros, encostei o carrinho em um local com muitos sacos de lixo. Começamos a abrir os sacos para procurar garrafinhas pet. Todo tipo de lixo estavam no interior daqueles sacos, quando acabei, fiquei com as mãos sujas de restos de comida. Joel me surpreendeu novamente. Apresentou-me um galão de água anexado ao seu carrinho e eu pude lavar as mãos tranquilamente.
“A vantagem de trabalhar como carrinheiro é que a gente não tem patrão, somos independentes e conseguimos aproveitar muita coisa que encontramos e a desvantagem é porque não somos registrados e se estivermos doentes, faça chuva ou faça sol, não tem tempo ruim, senão não recebemos.”
Andamos em um ritmo acelerado desde o começo da João Pessoa até o final do trajeto que termina no teatro Coliseu, dando voltas por várias ruas do centro da cidade, e eu levando o carrinho todo o tempo.
Já estava exausta, uma hora e meia de trabalho se passaram. Meus braços, ombros e costas doíam e quando eu estava parando a carroça, um homem de uns 45 anos, bem vestido -aparentemente, estava saindo do trabalho – bateu palmas e disse: “Parabéns, gostei de ver.” Sorrindo e admirado pela minha iniciativa.
Nesse momento, sensação de missão cumprida invadiu o meu ser. Senti-me emocionada e agradeci imensamente a Joel pela oportunidade e disse: “Dei muita sorte de encontrar você, certamente, é uma pessoa especial.”
Dilemas de um carrinheiro:
“A prefeitura deveria dar mais valor para nós.” O certo é o carrinheiro apenas trabalhar a noite para não atrapalhar o trânsito. Não estando nessas condições, a CET tem o direito de guinchar o carrinho com papelão e tudo, é permitido apenas recolher objetos pessoais e levar para o pátio. Apenas os cadastrados na CET podem receber o carrinho de volta, é paga uma taxa de vinte e cinco reais, o correspondente a dois dias inteiros de trabalho, manhã, tarde e noite.
Há alguns anos existiu uma Associação dos Carrinheiros da Baixada Santista, Joel era coordenador, mas não foi para frente por falta de apoio. O objetivo é que tivesse uma cooperativa que permitisse que os carrinheiros vendessem os materiais recicláveis direto para a Indústria de Reciclagem, sem intermediários, mas isso não aconteceu.
Esse batalhador sofre muito preconceito, principalmente da alta sociedade. O carrinheiro deveria ser mais respeitado assim como ele respeita o meio ambiente e ajuda a natureza, evita o desperdício, o que não fazemos.
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