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  2011 AO LEITOR MUNDO ECOLÓGICO  -  Mundo Ecológico

 
Pingue-pongue
Para a coordenadora de Educação Ambiental de Praia Grande, a fiscalização de descartes de resíduos sólidos no estuário precisa melhorar bastante
Por Luciano Agemiro
Glória Cristina Carréri Bruno é bióloga formada pela USP, pedagoga, pós-graduada em Educação Ambiental, mestranda em Saúde Pública USP, coordenadora de Educação Ambiental de Praia Grande. Ela conversa sobre problemas ambientais da Baixada Santista e nos adianta sobre a possível implantação de um incinerador metropolitano para resolver o problema do lixo na região.



Mundo Ecológico: Glória, quais são os problemas ambientais que mais atuam em nossa região?

Glória Cristina: O mais importante deles é, com certeza, o aumento do nível do mar. Isso é inevitável, ninguém duvida desse fenômeno e foi provado cientificamente que acontece. Já foram divulgados estudos mostrando que Santos e São Vicente devem ser as regiões mais afetadas. Uma pesquisa mostra que os últimos seis anos têm sido os mais quentes já registrados no Ártico, e que, durante os últimos verões, as temperaturas foram as mais elevadas dos últimos dois mil anos, causando o derretimento das calotas e elevando o nível dos oceanos.



ME: É possível apontar onde estas mudanças acontecerão primeiro?

GC: Sim, no caso de Santos, a região da Ponta da Praia deve ser uma das primeiras a sofrer com os alagamentos. Em São Vicente, o trecho próximo à Ilha Porchat deve ser um dos mais atingidos, de acordo com o Oslo-based Arctic Monitoring and Assessment Project AMAP, divulgado pelo jornal A Tribuna em março de 2011.



ME: Além do aumento do nível do mar, o que mais precisa ser observado de perto, na região?

GC: A fiscalização do descarte de resíduos sólidos ainda precisa avançar bastante, do contrário, a sujeira pode poluir não só o solo, mas a água também, o que pode até prejudicar o abastecimento da população.



ME: Onde há mais descarte de lixo irregular?

GC: No mar. Diretamente, como no caso das palafitas, ou indiretamente quando o lixo é dispensado na rua, chegando ao mar por meio da rede de águas pluviais. Além daquele descartado diretamente na praia.



ME: O que este descarte provoca?

GC: A fauna é a grande prejudicada. Os animais marinhos acabam confundindo esses lixos com alimentos e os ingerem. Na maioria das vezes morrem e quando chegam para os pesquisadores, em geral têm pedaços de redes, linhas de nylon, sacolas plásticas ou tampas de garrafas em seus estômagos.



ME: E para as pessoas, o que essa sujeira pode causar?

GC: Vários tipos de doenças, entre elas diarréia, infecções, doenças de pele e até alguns tipos de conjuntivite podem ser transmitidas pela água.



ME:Alguns estudos mostram que há muito lixo descartado no mangue. Estes resíduos vêm do mar para o mangue ou saem do mangue para o mar?

GC: Acontece das duas formas. Em Cubatão e em São Vicente, por exemplo, temos muitas habitações irregulares que acabam descartando o lixo e os dejetos humanos na água. O movimento das marés, alta e baixa, acaba fazendo com que essa sujeira se espalhe, chegando à praia e voltando ao manguezal. Esse mesmo movimento traz o lixo descartado no mar, para a área do mangue.



ME: Na região do Mar Pequeno, o rio Piaçabuçu encontra o mar. Do lado de Praia Grande, a mata e o manguezal são preservados, mas do lado de São Vicente, existem muitas palafitas. Qual é a situação da água nessa região?

GC: Infelizmente a situação é muito ruim no Mar Pequeno, tanto do lado de São Vicente como de Praia Grande. Temos estudos feitos pela Sabesp há alguns anos e o resultado é que a água é totalmente imprópria. Não se pode nadar aqui, nem muito menos pensar em consumir esta água.



ME: O peixe retirado daqui é consumível?

GC: Eu não tenho como afirmar isso, mas alguns estudos relatam contaminação nos peixes aqui coletados. A água é muito suja, contaminada pelos dejetos e a própria indústria cubatense colabora para a sujeira. Peixes e crustáceos também sofrem, variando o grau de contaminação de acordo com cada espécie.



ME: Essa contaminação pode causar algum problema de saúde?

GC: Não dá pra dizer que é uma contaminação geral, e que seja impossível comer o peixe, mas não sabemos se isso pode causar algum prejuízo. O consumo deste pescado é de responsabilidade das pessoas que o fazem.



ME: A senhora falou em movimento da maré, sobre esse assunto, o fenômeno da super maré, que acontece de vez em quando é provocado pelas mudanças climáticas?

GC: Este fenômeno acontece com certa frequência. Existem relatos de que há muitos anos já acontecia e a princípio não tem a ver com mudança climática. O fenômeno ocorre quando há a combinação de uma série de fatores climáticos como maré alta com chegada de frente fria. Existem algumas condições específicas para que ele ocorra.



ME: É possível prever quando vai acontecer novamente?

GC: Não sei ao certo, mas acredito que sim, no entanto apenas para os especialistas em meteorologia podem responder. Não acho que seja possível prever com muito tempo de antecedência.



ME: Vamos falar um pouco de ocupação irregular de áreas de proteção ambiental. Em Cubatão e São Vicente isso parece ser mais comum do que em Praia Grande, correto?

GC: Em Praia Grande, o que percebemos é que não há construções em encostas ou palafitas, mas as pessoas procuram invadir área de manguezal, aterrando ilegalmente as margens. Eles imaginam que não tem problema, como se a área não tivesse dono.



ME: Por que isso ocorre?

GC: A cidade recebe muitas pessoas todos os anos, alguns vêm em busca de oportunidade e acabam não encontrando moradia. Cada vez mais constroem casas umas do lado das outras, e invadem o mangue. Com a falta de saneamento, as pessoas criam redes de esgoto alternativas e jogam seus dejetos, diretamente na água. Nesse caso temos um problema duplo, o mangue foi aterrado, e o pouco de água que resta, vira depósito de esgoto.



ME: Em sua opinião, o que dá pra fazer para evitar esse tipo de problema na Baixada Santista?

GC: Difícil, acho muito difícil. Por mais que se construam moradias, está sempre chegando mais gente na região, de vários locais do Brasil. O jeito é a ronda, tentar coibir essas ações.



ME: Porque a região atrai tanta gente?

GC: Porque aqui as escolas são boas, a infraestrutura é boa, a segurança é melhor do que em muitos lugares. Todas as cidades da Baixada atraem as pessoas. Tem emprego, praia, vida boa, sob o ponto de vista deles.



ME: Esse número deve aumentar ainda mais com a chegada do pré-sal. Como a região vai comportar todas essas pessoas?

GC: Não se sabe. Esse é um desafio para todos. Unir crescimento com organização e preservação ambiental. Estamos procurando uma alternativa para que o crescimento não atrapalhe o meio ambiente da região.



ME: E para onde será enviado o lixo produzido por toda essa população?

GC: Atualmente uma alternativa tem surgido como uma das formas de solucionar o problema. Existe um plano para se discutir sobre a instalação de um incinerador metropolitano.



ME: Como funcionaria este projeto?

GC: A construção de um equipamento com esse é muito cara. Por isso os municípios se uniriam para a construção de um só incinerador que atenderia a toda a região. Dessa forma, os custos seriam divididos.



ME: Esse projeto existe em outros lugares do mundo?

GC: Na Europa existe. Lá é relativamente comum dar este tipo de tratamento ao lixo.



ME: O que isso traz de beneficio para a região?

GC: O principal deles é a diminuição dos resíduos. O lixo, hoje transportado para outra cidade, sofreria redução de volume muito expressiva.



ME: E os prejuízos?

GC: Há o lançamento de gases na atmosfera. Antes esses gases, menos tratados, continham produtos tóxicos, que chegavam à atmosfera, No entanto, a tecnologia existente hoje nos permite diminuir esses danos por meio de filtros.



ME: Se o equipamento for instalado na região, poderão ocorrer alterações na qualidade do ar?

GC: Ainda não há estudos para sabermos. Teremos que aguardar o andamento da instalação para verificar possíveis danos.



ME: No caso do lixo, é mais fácil lidar com a sujeira do solo ou a do ar?

GC: Independente disto foi feito um estudo de qual seria a melhor alternativa, e a conclusão é de que para a região vale à pena a instalação desse equipamento.



ME: Já tem um local para ser instalado o incinerador metropolitano?

GC: Ainda não foi discutida essa questão.



ME: Sobre o ar, a cidade de Cubatão era a pior do mundo em questão de poluição. A situação por lá continua ruim?

GC: A qualidade do ar da Cidade melhorou muito. Mesmo assim, é a que mais apresenta problemas no ar. As indústrias locais ainda provocam esse malefício à qualidade do ar que o morador respira.



ME: Em sua opinião, o desmatamento é um problema que atinge a região?

GC: Sim, preocupa. Sem números oficiais, tenho a impressão de que estão construindo em locais antes ocupados por mata. Ao longo das rodovias da região, observamos construções aparecendo próximas da pista e vemos a mata dando lugar a essa construções.



ME: No caso de parar com o desmatamento, a mata é capaz de se recuperar sozinha?

GC: Sim, se recupera. Demora um pouco, mas a natureza é capaz de se refazer em uma área onde o homem não interfira.



ME: Existe algum outro problema que preocupa a senhora e pode causar danos em pouco tempo?

GC: Sim. A falta de água é um problema sério. Água é vida. O abastecimento de água, portanto, é essencial. A água tem que ser bem tratada para a população, e, para isso, precisamos conservar os rios para que não prejudicar o abastecimento.



ME: O que a senhora diria para as pessoas que não cuidam do meio ambiente?

GC: Tudo está ligado, e é nisso que eu acredito. Todos dependem da mata, da água, uma coisa interligada à outra. Peço para as pessoas sempre fazerem algo pelo meio ambiente, o que me deixa triste é ver que não conseguem perceber isso, não entendem uma coisa tão simples e óbvia.



ME: Como reverter esse quadro? Em Praia Grande, o que tem sido feito?

GC: Aqui, na Escola de Educação Ambiental, a gente tentar orientar as pessoas, em especial as crianças. Hoje vemos isso em todo o lugar. Todos falam de preservação, colocam na mídia e já não me sinto mais solitária. É como se eu tivesse o apoio de muita gente. O mundo falando e gritando junto comigo.



ME: Há 20 anos, a ecologia era considerada assunto chato, há 10 anos causava preocupação e agora está na moda. A senhora acha que esta moda vai passar?

GC: Não. Não vai passar. Pelo contrário, vai ampliar. É provável que as próximas gerações já venham com isso do berço.