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  2011 PERFIL 

 
O garoto do condomínio
O falso brilho de um playboy.
Por Lívia Fernandes
Quem o vê passando pela Avenida João XXIII fica logo intimidado pela sua beleza e atitude que o cerca. É algo como “hey boy o teu cabelo tá bonito hey boy, tua caranga até assusta hey boy, vai passear na Rua Augusta tá”. Além deste magnetismo discreto que todo pisciano detém, Vicenzo é filho de um importante empresário no interior paulista, a 500 quilômetros da Capital. Reside em uma casa de 700 m² com piscina, cachorro, sauna, academia, salão de jogos, churrasqueira, jardim e tudo o que os filmes hollywoodianos enaltecem nas famílias perfeitas.

Porém esta é apenas a primeira impressão. A vida deste jovem é como Impressão, nascer do sol, do célebre pintor impressionista Claude Monet. De longe o quadro é uma obra de arte, uma paisagem realmente deslumbrante, mas de perto podemos ver, atentamente, as “falhas” e pinceladas sobre pinceladas, tornando tudo confuso e, para alguns, perdendo totalmente a graça em que outrora foi enxergada.

De origem humilde, Vicenzo nasceu em 10 de março de 19901, na mesma cidade em que reside atualmente Seus pais, com a ambição de terem uma vida mais confortável, resolveram deixar Vicenzo, de apenas cinco anos, sob os cuidados de seus avós paternos, a 20 quilômetros de Franca. Foi na terra batida e avermelhada que este jovem traçou sua infância, ao lado de vizinhos amigos e da família, que o visitava nos finais de semana.

Com a consolidação da economia local, os pais de Vicenzo fizeram uma pequena fortuna, podendo dar uma vida melhor à sua família, que já contava com outro membro. O jovem caipira arrumou sua pequena mala e, sem avisar os amigos de sua cidade, foi morar com os pais e seu pequeno irmão de nove anos. Dias antes de sua partida, Vicenzo recebeu um duro golpe do destino: seu avô, ou melhor, segundo pai, havia falecido em seus braços. Aquele seria o primeiro de muitos outros machucados que garoto iria sofrer.

Não demorou muito para Vicenzo adaptar-se à nova vida que sua família lhe proporcionou. Viagens, roupas descoladas, dinheiro fácil... Tudo muito diferente da pequena casa sem forro em que residiu durante a infância.

Nos primeiros anos ele conservou aquele ar pueril das pequenas cidades, sem se deslumbrar com a nova vida. Aos poucos fez novos amigos, ou melhor, muitos “amigos”, que se aproximavam dele com interesse. Mas nem precisava. Apesar da timidez, ele é realmente interessante. Aliás, esta não é a única qualidade que integra o 1,85 centímetros de altura dele, que tem também um sorriso largo e tímido, olhos interrogativos, humor irônico e de boas gargalhadas, gírias engraçadas, tendência à depressão, metamorfose ambulante além, é claro, de grandes olhos castanhos, cílios volumosos, sobrancelhas grossas e uma maniazinha chata de morder o canto esquerdo do lábio superior, com seu incisivo, quando está irritado com alguma coisa.

Aos poucos, aquele garotinho dilui-se em festas regadas a produtos ilícitos, amizades duvidosas e na vontade de viver o novo. O que no início eram alguns copos de cerveja transformaram-se em “dar uns peguinha na erva da boa”, depois começou a ter contato com vendedores de produtos ilícitos. Aí era um caminho que, normalmente, não tem volta. Teria, se a vida pessoal dele não estivesse em um caos completo. Brigava com o seu pai dia sim e o outro também, sua mãe ficava alheia do mundo e preferia sair para fazer compras, sua namorada já não era mais interessante, as moças do outro lado da rua tinham mais sex appeal. Tudo desmoronando.

De uma bela casa decorada e alegre, agora só restaram paredes. Paredes que ecoam o silêncio de Vicenzo. Chão que guarda uma infinidade de sujeira e falta de amor próprio. Seu pai riquíssimo? Preso, acusado por integrar uma quadrilha que traficava jóias. Sua mãe sorridente? Enlouqueceu, ou melhor, vive em seu próprio mundo, num quarto vazio de um manicômio cheio. Vicenzo? Vicenzo foi ao fundo do poço, bateu lá, na mais profunda escuridão, e tenta voltar a cada dia para a vida sem suas duas maiores drogas: a caiçarinha pálida que, esperta, se afastou para não sofrer mais, e as lagartas brancas estiradas, outrora, em sua tampa da privada.