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  2011 REVISTA BIKE  -  Bike

 
“Ciclovia é uma coisa feia”
Um dos músicos eruditos brasileiros mais respeitados da atualidade, Gilberto Mendes, 88 anos de idade, opina sobre a ciclovia que está em construção na Avenida Ana Costa. Em entrevista para a revista Bike, ele diz que fazer ciclovias ao lado de palmeiras imperiais tira toda a majestade da avenida.
Por Guilherme Uchôa
A opinião é de um dos músicos eruditos brasileiros mais respeitados da atualidade.

Aos 88 anos e santista de nascimento, Gilberto Mendes concedeu um espaço em sua rotina nos preparativos de mais uma edição do Festival de Música Nova para conversar com a reportagem da Bike. Mendes foi um dos que participaram da passeata contra a tentativa de destruir parte do jardim da praia para a construção da principal ciclovia de Santos. Agora, ele está indignado com a ciclovia da Avenida Ana Costa, em construção. “Fazer ciclovias ao lado de palmeiras imperiais? Tira toda a majestade da avenida. Pelo amor de Deus, estão esculhambando a Ana Costa!”, se indigna.

Responsável pela criação do Manifesto Música Nova de Santos e coordenador do festival com o mesmo nome, Mendes estudou no Conservatório Musical de Santos e frequentou o Ferienkurse Fuer Neue Musik de Darmstadt, na Alemanha. Deu aulas na Universidade de Wisconsin-Milwauke, nos Estados Unidos. Entre os diversos prêmios que recebeu, destacam-se os da APCA, o Carlos Gomes, o título de Cidadão Emérito da Cidade de Santos, a insígnia e o diploma de admissão na Ordem do Mérito Cultural, recebida no governo Lula. Toda a bagagem cultural adquirida nos anos em que passou por diversos países do mundo credenciam-no a falar muito mais do que apenas sobre música. De opinião e argumentos fortes, Gilberto Mendes recebeu a reportagem em sua cobertura, localizada a apenas uma quadra da praia do Boqueirão. Sentado entre diversos autorretratos que decoram as paredes da sala, ele falou sobre as ciclovias de Santos, contou um pouco sobre sua experiência internacional e decretou: “Ciclovia é uma coisa feia!”.



Bike — Na visão do senhor, a expansão das ciclovias em Santos e região pode ser visto como um fato positivo?

Gilberto Mendes — Do ponto de vista urbanístico, é negativo. Ciclovia é uma coisa feia, que não embeleza nada.



Bike — E em relação à sua utilidade?

GM — A utilidade dela significa maior segurança para a bicicleta. Agora, encher a cidade de ciclovias? Parece-me que Santos está muito orgulhosa de ter ciclovias! Santos tem mais do que se orgulhar — tem José Bonifácio, tem escritores, tem história política, o Brasil começou por aqui, e a cidade está mais preocupada com ciclovias. A ciclovia da praia, por exemplo. Se não fosse o movimento do qual participei, teriam destruído o jardim para fazer uma ciclovia. Fizemos um movimento grande, até passeata. Pelo menos essa ciclovia, a da praia, fizeram direitinho, uma coisa pequena, ai tudo bem. Do jeito que queriam fazer ia ficar um horror.



Bike - O senhor acha que a ciclovia pode ser um sinal de que o transporte público não é eficiente?

GM — Não. A ciclovia só é feita para ganhar dinheiro. Só fazem essas coisas para ganhar dinheiro, para dizer que fizeram obras. Eu já fui várias vezes para a Holanda, o país das bicicletas, e lá não existem ciclovias. Lá, a ciclovia é um risco no chão da calçada. A bicicleta faz parte do corpo do holandês. Agora eles fizeram uma ciclovia na Avenida Ana Costa? É a mesma coisa que fazer uma ciclovia nas avenidas Champ Elysees, em Paris, ou na Quinta Avenida, em Nova Iorque. Fazer ciclovias ao lado de palmeiras imperiais, na Ana Costa? Tira toda a majestade da avenida. Pelo amor de Deus, estão esculhambando a avenida! A Ana Costa era a nossa Champ Elysees, a nossa Quinta Avenida, era a nossa grande avenida, a nossa Avenida Paulista.



Bike - Quais são os problemas de se fazer uma ciclovia na Avenida Ana Costa?

GM — Destruíram a estética da avenida. A ciclovia em si é uma coisa esportiva, não é uma coisa bonita do ponto de vista do urbanismo e da arquitetura. Mas poderia ser na Ana Costa se fosse, por exemplo, ao lado da calçada, mais afastada. Além disso, com a ciclovia ao lado das palmeiras, você tira a possibilidade de se andar ali e o pedestre vai ter problemas para atravessar a rua.



Bike — A ciclovia como foi feita na praia não interferiu em nada?

GM — Urbanisticamente falando, ciclovia é uma coisa feia. Ela fica bem em um ambiente esportivo, uma praia, por exemplo. Mas urbanisticamente é uma coisa muito feia. Na praia ela foi feita direitinho porque praia é um lugar de esportes, aí cabe a bicicleta. Mas não iam construí-la assim. Iam destruir e remodelar tudo para fazer a ciclovia. Queriam destruir o jardim.



Bike — O que se pode observar aqui no Brasil é que existe um preconceito em relação à bicicleta, de que ela seria um meio de transporte para as classes mais baixas. Na Europa existe a visão de que a bicicleta é um meio de transporte para todos?

GM — Não na Europa, mas na Holanda e na Bélgica, que são países vizinhos. Eles são muito dados a bicicleta. Em Nova Iorque, também se usa muito bicicleta e patins.



Bike — Inclusive como meio de transporte, para trabalhar?

GM — É! Porque patins e bicicleta andam depressa, mas só por causa disso vão fazer uma pista só para andar de patins em Nova Iorque?



Bike — E por que existem essas diferenças de visão entre o brasileiro e o holandês?

GM — Acho que existe diferença porque é algo cultural. Quando estive lá, em qualquer canto que eu olhasse, havia muitas bicicletas.



Bike — O que o senhor acha que precisaria ser mudado no Brasil para haver uma visão semelhante a respeito da bicicleta?

GM — Eu acho que não tem como mudar. Na França também não é assim, eles andam muito de bicicleta, mas como esporte, e não como transporte.



Bike — Em Santos pode acontecer uma mudança de postura para que todos passem a utilizar a bicicleta como meio de transporte e não apenas o trabalhador ou a empregada doméstica?

GM — Para isso ocorrer a população tem de adquirir essa cultura. Esse é um hábito europeu. O brasileiro é fascinado por automóvel. Cada país tem o seu hábito.



Bike — As bicicletas deveriam ser emplacadas e registradas?

GM — Deveriam ser emplacadas como eram no passado. Elas tinham placas, farol e campanhia. Hoje, ainda deveria ser assim para os ciclistas respeitarem as normas de transito. Se um ciclista ultrapassa o sinal vermelho, por exemplo, deveria ser aplicada uma multa com o mesmo valor aplicado para um carro que comete essa infração.



Bike — Então o que falta no Brasil é mais rigor?

GM — Sim. Porque em outros países as pessoas sabem que se cometem alguma infração no trânsito vão receber uma multa gigantesca. Aqui no Brasil não existe rigor, nem com carros, quanto mais com a bicicleta.



Bike — A bicicleta deve ser vista em Santos como um meio de transporte alternativo para se fugir dos trânsitos engarrafados?

GM — Acho que em Santos nem deveria ter carros, deveria ter só bicicletas. Aí não precisava fazer ciclovias porque as ruas já seriam ciclovias. É uma cidade ideal para bicicleta porque é totalmente plana.



Bike — Por último, o senhor acha que a bicicleta seria um bom tema para se compor uma música?

GM — Tudo é tema para se fazer uma música, basta você saber pegar o assunto e adaptá-lo ao que quer. Na França têm muitas músicas com bicicleta. Estou lembrado de uma que fala “La bicycllete!” risos.