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Dopping contamina o esporte amador
Seja de profissionais ou amadores, o corpo das pessoas comuns pode ser aperfeiçoado para o alcance do “impossível”. Alguns atletas se utilizam de substâncias químicas para aumentar o desempenho e obter vantagens nas competições esportivas
Por Gabriela Soldano
Fotos: Iustração digital Jeifferson Moraes e Reprodução
- Eu preciso ficar mais forte e rápido! Será que eu posso tomar alguma coisa?

- Você sabe que não vendemos isso aqui.

- Mas, é só pra ajudar o processo... É que eu preciso que seja pra ontem...

- Se você tiver paciência e freqüentar sempre a academia, os exercícios físicos vão fazer todo o trabalho que você deseja!


Não é muito difícil descobrir que o esportista amador buscava, na verdade, uma substância proibida, o chamado doping.

Todos os atletas profissionais um dia foram chamados de amadores. A maioria deles já treinou em clubes pequenos, clubes da região onde moravam, até que um dia foram descobertos e passaram a ser chamados de profissionais.

As notícias sobre o uso de doping nos esportes de alto rendimento têm incentivado o aumento do uso de substâncias proibidas por atletas amadores, apesar das conseqüências por vezes devastadoras nas carreiras dos esportistas famosos. O último caso foi o da nadadora Rebeca Gusmão, que foi banida do esporte pela Federação Internacional de Natação, após ser flagrada duas vezes em exames antidoping: em 2006, no troféu José Kinkel de Natação e, em 2007 nos Jogos Pan-Americanos do Rio.

O prof. Cláudio Zanin Eduardo, da Secretaria Municipal de Esportes de Santos Semes, explica o objetivo da punição dos atletas profissionais foi além do sentido literal da palavra. "Essa punição pode prejudicar uma carreira inteira. Porém, seu objetivo é também o de coibir a utilização desses produtos por parte dos atletas, tanto profissionais, como amadores."

Bernardino Santi, médico traumatologista e Coordenador Estadual de Doping da Confederação Brasileira de Futebol CBF, em entrevista ao médico Drauzio Varella, afirma: "É preciso entender que os atletas de campeonatos mundiais representam apenas 1% da população de esportistas e sobre eles é exercido intenso controle externo. O problema maior está nas pessoas que vão às academias em busca de melhor condicionamento físico. Sabendo que os atletas de ponta utilizam determinadas substâncias, optam por usá-las sem se preocupar em receber orientação, nem com os malefícios que tais drogas causam no organismo. Hoje, está muito em moda falar dos esteróides anabolizantes e todo o mundo sabe que, nas academias, eles se tornaram uma febre. Criados com finalidade terapêutica para tratamento de determinadas patologias, mas usados por jovens que buscam um corpo perfeito, resultaram em conseqüências lastimáveis em muitos casos".

O profº. Cláudio Zanin comenta que os resultados da utilização dessas substâncias proibidas é apenas temporário. "Como acontece com o uso de qualquer outra droga, os resultados, em termos de performance, diminuem ou cessam quando a sua administração é interrompida. Porém, os efeitos colaterais podem, por muitas vezes, ser permanentes, podendo desencadear diversos problemas de saúde."

Casos Graves - Em 2004, seis pessoas foram internadas após o uso do medicamento Estigor para animais, que combina o esteróide anabolizante nandrolona e o complexo vitamínico ADE. Dois deles eram jovens de 15 e 21 anos, que foram internados em estado grave na UTI do Hospital de Base de Brasília após o consumo das substâncias proibidas visando o crescimento de seus músculos.

O produto, fabricado na Argentina, não tem registro no Brasil. O Hospital de Base de Brasília registrou 30 casos recentes do mal uso com graves seqüelas decorrentes da má aplicação da substância ADE. Desde 1998, há pelo menos quatro mortes documentadas no país relacionadas aos anabolizantes. Por outro lado, o Ministério da Agricultura afirma que é permitido o uso de anabolizantes animais apenas em eqüinos, uma vez que o Estigor é indicado para engorda de gado de corte. Porém, tem sua venda proibida no país.

Já o jovem alemão, fisiculturista amador, tomava esteróides duas vezes por semana. As drogas, 250 mg de enantato de testosterona e 30 mg de metandienona, induziram o crescimento de acne severa, feridas profundas com abcessos e pústulas nas costas e no peitoral. Ao invés do corpo perfeito, o rapaz teve febre, encolhimento dos testículos, redução na concentração dos espermatozóides e cicatrizes. Os sintomas desapareceram com a interrupção dos esteróides, porém ele carregará as cicatrizes das substâncias proibidas para sempre.

A médica clínica geral Alessandra Bittar afirma que a aparência é o principal fator para a procura de substâncias dopantes. "As pessoas procuram resultados rápidos para a melhora da aparência física. A estética desejada, com certeza, é o fator crucial para a compra destes produtos."

O personal trainer Cláudio Leite, 32 anos, afirma: "Estas substâncias são muito perigosas, podem levar até a morte. Sem falar que seu uso é crime".

Legislação - A pessoa que adquirir qualquer tipo de droga, para consumo pessoal, será submetida às penas de advertência sobre os efeitos nocivos, prestação de serviços à comunidade, ou, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, conforme o artigo 28 da Lei de Tóxicos Lei 11.343/06. Já quem oferece anabolizante, orienta o uso ou a dose a ser ministrada, pode responder por crime de exercício ilegal da medicina, se for profissional da área, sofrendo pena de detenção de seis meses a dois anos artigo 282 do Código Penal. Se comprar a droga em outro país, será acusado de contrabando, que prevê pena de reclusão de um a quatro anos artigo 334 do Código Penal.

Por outro lado, quem falsificar um anabolizante concorrerá no crime previsto no artigo 273 do Código Penal, cuja pena é de dez a quinze anos de reclusão. Já quem vende estas substâncias incorrerá no artigo 33 da Lei de Tóxicos, crime punido com reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa, decidida pelo juiz da causa observada a condição econômica do réu, com valor entre um trinta avos até cinco vezes o valor do salário mínimo.

Já os atletas profissionais que forem “flagrados, comprovadamente dopados, dentro ou fora da partida, prova ou equivalente” serão punidos com suspensão de cento e vinte a trezentos e sessenta dias e, eliminação da reincidência.

Diferenças - O profº. Cláudio Zanin explica que há diferenças entre o uso de complementos alimentares e substâncias do doping. "Os suplementos alimentares, quando utilizados de forma correta, podem, de fato, auxiliar. Diferentemente de outras substâncias proibidas, os suplementos são substâncias de uso legal. Porém, a sua utilização de forma indiscriminada pode causar outros efeitos não desejados, como, por exemplo, o aumento do peso gordo."

Especialistas alertam - A médica Alessandra Bittar comenta que há ainda substância que tem seu uso proibido pela Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, pois tem a capacidade de mascarar o uso de anabolizantes. "Por exemplo, a Finasterida, usada para o tratamento da calvície. Tem capacidade de mascarar o uso da nandrolona, substância anabolizante. A calvície pode inclusive ser conseqüente ao uso prévio de anabolizantes. Essa substância não pode ser utilizada para tratamento de calvície em atletas sujeitos ao exame anti-doping."

O educador físico Danilo Rocha Magro, Especialista em Fisiologia do Exercício EPM, afirma. "Nenhum educador físico é gabaritado a prescrever dietas, suplementos ou remédios."

Danilo Rocha também explica que, por vezes, os freqüentadores de academia procuram por estas substâncias proibidas em razão do apelo da mídia para o corpo perfeito. O prof. Cauê La Scala Teixeira, da Secretaria Municipal de Esportes de Santos Semes, concorda. "O aumento da massa muscular juntamente com a diminuição do percentual de gordura são exigências do padrão de beleza atual, imposto pela sociedade, por influência da mídia. Devido a este fato, os freqüentadores de academia, em busca de um ‘corpo perfeito’, sempre procuram estratégias para acelerar os efeitos do treinamento."

Já o educador físico Danilo acredita que o uso de substâncias proibidas por atletas de alto rendimento leva o esportista amador a acreditar que também pode utilizá-las. "Cada vez mais os atletas superam recordes, ganham fama, dinheiro, patrocínio e se realizam dentro do esporte, levando quem não alcançou isso, querer chegar lá também."

A médica Alessandra concorda. "Sempre que um profissional usa e consegue resultados que acha ser bons, o esportista amador também vai utilizar porque acha que vai dar certo para ele também." Porém, o profº. Cauê pensa de forma diferente. "O fato dos atletas de alto rendimento serem punidos nos leva a crer que o uso dessas substâncias não seja freqüente e, portanto, não iluda a grande maioria dos atletas."

O professor de educação física Rogério Campos explica que os motivos para a utilização destas substâncias são diferentes. "Hoje o atleta de alto rendimento que utiliza substâncias proibidas, corre o risco de ser suspenso ou até mesmo banido do esporte, pois o Comitê Olímpico Internacional COI é muito rígido na detecção e punição desses atletas. Porém, o esportista amador não quer ter um melhor desempenho, mas uma melhora na sua estética."

Danilo e Cauê acreditam que o melhor combate ao uso indiscriminado destas substâncias é a informação. "Devemos mostrar estudos que comprovam os malefícios que essas drogas causam. Como artigos científicos, revistas, documentários etc", explica Danilo. O professor Rogério afirma que os pais também devem estar atentos. "Os pais devem acompanhar e saber se o seu filho treina com um profissional registrado no Conselho Regional de Educação Física CREF e, se a academia também possui o registro. Mostrar o que pode acontecer com o seu corpo se utilizar dessas substâncias, citando exemplos de pessoas que tomaram e morreram."

A médica Alessandra completa. "Deve-se explicar dos efeitos maléficos dessa substâncias que a longo prazo, contando que causam danos irreversíveis à saúde, inclusive na parte hormonal."

Informação como solução - O orientador educacional tem importante papel. "Devemos orientar os jovens, pois são drogas acessíveis e muitos profissionais se acham capazes de prescrever o uso. Já sabemos que estas drogas levam as pessoas à dependência e até a morte, é um custo muito alto por pouco. Esse custo pode ser sua vida", explica Danilo. Para o profº Cláudio, da Semes, "um educador é um formador de opinião, devendo primar sempre pela formação de cidadãos saudáveis e conscientes de seus atos".

Quanto aos pais que dão aos filhos medicamentos para, por exemplo, aumento da massa muscular ou crescimento, os profº. Cláudio e Cauê concordam que eles devem ser orientados a procurarem nutricionistas ou médicos para tratar da alimentação e/ou suplementação de seus filhos. "Os medicamentos para aumento da massa muscular e aumento do crescimento são substâncias produzidas com a finalidade de serem utilizadas por indivíduos que apresentem alguma anormalidade que interfira no desenvolvimento normal, como patologias, acidentes, entre outros", explica Cauê.

Cláudio diz, ainda, que os medicamentos devem ser utilizados somente após avaliação e prescrição médica. "Havendo dúvidas sobre o desenvolvimento normal da criança ou do adolescente, os pais ou responsáveis devem procurar médicos especializados antes de tomar qualquer outra atitude".

O educador Danilo Rocha explica o que fazer para melhorar a auto-estima dos jovens sem o uso dessas substâncias proibidas. "Consultar profissionais sérios que se propõem a fazer um trabalho limpo e sem drogas. Para melhorar a auto-estima, é bom orientar os jovens a procurar um nutricionista, médico e fazer com que esse jovem se motive montando programas de treinamento que não caiam na rotina."

Já a médica Alessandra explica que o corpo desejado pode ser alcançado somente com boa alimentação e cuidados no pós e pré-treino. "Antes do pré-treino e no pós-treino deve-se ingerir carboidratos que auxiliam na recuperação dos músculos. No pré-treino a alimentação funciona como combustível, enquanto que no pós-treino ingere-se proteínas para recuperar o músculo cansado. Porém, em qualquer exercício físico deve-se tomar cuidado para não causar estresse muscular, que ocasiona danos indesejáveis. Deve-se fazer exercícios sempre, mas com moderação."

Dessa forma, no pré-treino deve-se ingerir os chamados "alimentos combustíveis", ou seja, os carboidratos, encontrados nos cereais como a granola ou aveia, pães, farinhas, batata, arroz, milho, macarrão e frutas. Esses alimentos são utilizados no pré-treino, pois tem sua absorção bastante rápida com a energia a disposição do corpo imediatamente após a ingestão. Enquanto que no pós-treino ingere-se as proteínas, disponíveis nos vegetais, cereais, legumes, ovos, leite e seus derivados, além da carne.

O profº. Cauê La Scala explica o segredo do sucesso em qualquer prática esportiva. "Esse segredo se resume à dosagem adequada de três fatores: treinamento, alimentação e repouso. Porém, os efeitos estéticos tendem a aparecer geralmente após médio-longo prazo. Portanto, a paciência é uma virtude que deve ser contemplada."

Bons hábitos - Cláudio Zanin acredita que os resultados serão notados mais rapidamente se forem utilizados como estratégia para motivação e melhora da auto-estima. "A promoção da saúde tem como conseqüência a melhora da estética, porém, o inverso nem sempre é verdadeiro."

Rogério Campos afirma que para o jovem conseguir o corpo desejado basta uma vida ativa, ou seja, praticar atividades direcionadas no mínimo 3x na semana, bons hábitos alimentares e boas noites de sono. "Pode acreditar que é o suficiente para ter um corpo saudável."

Cauê declara que a utilização de substâncias proibidas no esporte é um ato covarde. "Porque vai contra a real essência esportiva, pode trazer diversos prejuízos à saúde, podendo levar até à morte. No meio esportivo, como em qualquer outra área da atividade física, a saúde deve ser sempre respeitada e tida como um dos objetivos, senão o principal, a ser conquistado." Rogério Campos garante o que todos deveriam realmente buscar no esporte não é um corpo malhado, mas sim um corpo saudável. "Muitas vezes um corpo forte não é sinônimo de saúde."