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Por que não somos como eles?
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Terminada a Olimpíada de Pequim, agora é hora do balanço. O que falta para o Brasil um dia se tornar potência nos esportes de alta competição? |
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Por Rogério Amador |
Fotos: Adalberto Marques Leonardo Costa e Reprodução
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Ele começou a carreira de jogador de basquete aos nove anos de idade, a mãe o colocou na escolinha do Clube Internacional de Regatas, por causa de sua altura. Na época, tinha 1,82 metros. Com o passar do tempo, Alexandre Lamoglia Barbieri foi se destacando nas competições. Passou pelo mirim, infantil, infanto-juvenil, juvenil até chegar à categoria adulta, agora já com seus 2,00 metros de altura atuais.
Com 18 anos quis alçar vôos mais altos. Saiu do seu clube, no qual jogou desde o inicio, para assumir uma posição no time da Philips, na cidade de Santo André. Agora com salário, alojamento para morar, condução para visitar os parentes em Santos e outras regalias, ou seja, toda uma estrutura para desenvolver o seu potencial para que um dia conquistasse seu maior sonho: jogar uma Olimpíada pelo Brasil.
Pura ilusão. Não demorou muito e o patrocinador rescindiu o contrato com a Prefeitura local, impossibilitando a continuidade do projeto e de toda a estrutura montada. O santista teve que voltar à sua cidade natal para jogar em clubes pelo simples prazer de jogar basquetebol.
Com 21 anos, não agüentou mais. Foi procurar emprego para ganhar dinheiro e tentar começar uma vida. Hoje, com 39 anos, é engenheiro químico e trabalha em uma empresa de Cubatão há 18 anos.
Não se arrepende do fato de ter largado o esporte, já que com o serviço arrumado pôde estruturar sua vida. É casado com Luciana e tem dois filhos. Quem perdeu foi o basquete, pois se Barbieri tivesse a oportunidade de continuar, certamente o nosso eterno cestinha Oscar "Mão Santa" teria a companhia de alguém, para lhe ajudar nas conquistas que não conseguimos para o Brasil.
Dinheiro x Administração - A pergunta é inevitável: O que falta para o Brasil ser uma super-potência no esporte? Somos um país beirando os 190 milhões de habitantes, segundo estimativa do censo/IBGE 2008. Temos políticas públicas dedicadas ao desenvolvimento do esporte, uma história de vencedores e ídolos em modalidades que inspiram os mais novos, a tal ponto de sermos referência, como, por exemplo, no voleibol. E, principalmente, somos um povo que tem literalmente o esporte na veia. "Ás vezes, aparecem aqui na escola alunos que nunca fizeram ou praticaram determinada modalidade, mas que são talentos natos", diz o professor de Educação Física Fabio de Oliveira Santos, que dá aulas na Escola Municipal D. Pedro I, na Vila Nova, em Cubatão.
Esses talentos são ceifados pela total falta de infra-estrutura. Dinheiro não é o problema. Existem no Brasil recursos oriundos de orçamentos dos governos municipais, estaduais e federal. Eles são somados aos recursos das loterias federais Lei Piva — que estabelece que 2% da arrecadação bruta de todas as loterias federais do país sejam repassados ao Comitê Olímpico Brasileiro e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro. Do total de recursos repassados, 85% são destinados ao COB e 15%, ao CPB. Outra conquista orçamentária importante foi a aprovação da Lei de Incentivo ao Esporte, que possibilita às empresas jurídicas, ou até mesmo pessoas físicas, de deduzirem do imposto de renda de 1 a 6% a título de patrocínio ou doação, no apoio direto a projetos desportivos e paradesportivos previamente aprovados pelo Ministério do Esporte.
Sem contar a ajuda natural de empresas estatais e privadas, como a Eletrobrás, Correios e universidades particulares. Para o coordenador técnico da Secretaria Municipal de Esportes de Santos, Ibraim Tauil, os recursos disponíveis são mais do que suficientes para transformar o Brasil numa potência olímpica. "Se houvesse seriedade e programas consistentes para o setor, certamente chegaríamos bem mais longe".
Para enfatizar o seu discurso, Ibraim cita o artigo 217 da Constituição Federal que determina: "É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um".
Política - Outro ponto impactante e desfavorável é o fator político. A alta burocracia e a má administração causada pelo emaranhado de Ministérios, Secretarias, Departamentos, Fundações, Fundos, Confederações, Federações, Ligas, Comitês, Clubes, ONGs, acabam desordenando o que era para ser bem mais simples.
"Com tantos interesses imediatos e midiáticos, a verdade é que o desporto educacional acaba não tendo a mínima importância e, assim, o investimento na base segue perdendo de goleada para o investimento no alto rendimento e na realização de eventos", conclui Tauil.
Utiliza como exemplo a própria natação na cidade, onde só na escolinha da Zona Noroeste há 1200 alunos para apenas duas piscinas, enquanto que a Prefeitura, através do programa "Adote um Atleta", prefere o patrocínio de boa parte da equipe de natação da Unisanta, sem ao menos dar uma oportunidade às crianças que mais se destacam nas escolinhas.
Supervalorização - No ano passado tivemos um exemplo claro da má gestão de nossos dirigentes: os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro. Inicialmente orçado em R400 milhões, acabou aproximadamente R4 bilhões de reais. E o pior: após o término os equipamentos utilizados estão às moscas ou sendo utilizados para outras finalidades.
O resultado é o mesmo que construir um edifício sem alicerce. Desmorona a cada Olimpíada. O Ministro dos Esportes, Orlando Silva e o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Artur Nuzman foram procurados pela nossa reportagem através de suas respectivas assessorias, mas não quiseram se pronunciar a respeito desta matéria.
Exemplo de sucesso - Não é só de lambanças que vive o esporte brasileiro. Existem exemplos sérios e bons a serem seguidos, que estão espalhados por todo o Brasil. Um deles é o "Centro de Excelência", na cidade de São Paulo. Através de uma iniciativa do Governo do Estado, atletas de talento de todo o Estado são levados ao projeto, obtendo toda a estrutura necessária para o crescimento esportivo.
No Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, no Ibirapuera, capital paulista, os atletas têm acesso a professores credenciados como Aurélio Miguel, Ana Mozer, Magic Paula e Zequinha Barbosa, representantes das quatro modalidades trabalhadas no local: judô, atletismo, natação e voleibol masculino e feminino, e o futebol masculino, além de alojamentos com todas as refeições e acesso ao estudo. Todo o atleta utiliza as notas obtidas na escola como prerrogativa da extensão da bolsa ao projeto, ou seja, se o atleta não vai bem na escola, a bolsa é automaticamente retirada.
O judoca Aurélio Miguel medalhista de ouro em Seul/1988 veio a participar do projeto em um momento em que estava brigado com a Confederação Brasileira de Judô e, por conta disso, tinha sido afastado da seleção brasileira. "Fui contra a uma dinastia criada pela família Mamede, que colocou a modalidade em estado de falência", sentenciou o ex-atleta, utilizando como exemplo as várias vezes que não pode participar de torneios no exterior por não ter verba suficiente. Na época, a confederação era presidida por Joaquim Mamede, que esteve à frente do órgão por 21 anos seguidos.
"Gerenciar o esporte não é difícil, basta seriedade e vontade política", afirma Aurélio. O projeto Futuro já revelou nomes de destaque como a medalhista de ouro em Pequim, Maurrem Maggi, o judoca Tiago Camilo, e o atleta do salto triplo, Jadel Gregório. O projeto iniciado em 1984 continua mais firme do que nunca e conta não só com o apoio do Governo do Estado, mais também com a ajuda da iniciativa privada.
Maus exemplos - Sábado, 07 de junho de 2008. Depois de um ano de investigações da Polícia Civil, o fugitivo Carlos Alberto Aparecido Oliveira de Carvalho, mais conhecido como Peixe Raia, foi preso no Morro do São Bento, em Santos. Membro da facção criminosa PCC — Primeiro Comando da Capital, Peixe Raia havia fugido da Penitenciária de Getulina, no interior de São Paulo, em janeiro de 2006, onde cumpria pena de, aproximadamente, 15 anos por homicídio, tráfico de drogas, roubo e lesão corporal. Na hierarquia da facção, ele seria chamado de "torre" chefe do tráfico no morro.
Mas, por que uma notícia policial poderia estar associada a uma matéria esportiva. Infelizmente tudo. Para o professor de atletismo da Semes, José Roberto da Silva, o fato causa grande tristeza até hoje. "Quando eu vi a reportagem do Betinho na televisão não agüentei e comecei a chorar", disse o professor, pois, para ele, Betinho continua sendo o menino franzino e de pernas finas que participava da equipe de atletismo da Zona Noroeste, em Santos.
Carlos Alberto sempre foi considerado um atleta com enorme potencial. "Eu falava para todos na época que o Betinho era o substituto natural do Joaquim Cruz", afirma o professor, em alusão ao campeão olímpico dos 800 metros rasos em Los Angeles/1984. Segundo o técnico, o que falta é dar continuidade ao atleta que se mostra promissor no esporte, dando-lhe condições de atingir um nível de alto desempenho necessário para as conquistas, e ao mesmo tempo, tirando jovens do caminho obscuro, como é o caso do hoje traficante, Peixe Raia.
Celeiro mal aproveitado - Santos é considerada uma das cidades mais esportivas do Brasil. São realizados diversos torneios de alto nível, expondo a cidade a um excelente nível de projeção nacional. Além disso, é sempre destaque nas competições entre cidades, como os Jogos Abertos e Regionais, disputadas todo o ano. Os maus exemplos ainda contaminam o município. Clubes tradicionais da cidade, como Regatas Santista, Vasco da Gama, Saldanha da Gama e o Atlético Santista praticamente encerraram as atividades esportivas, deixando um legado de muitos atletas desenvolvidos na base dos clubes, considerado celeiro de grandes atletas da cidade.
Infra-estrutura não utilizada - Outro ponto negativo é o atletismo. Santos conta com quatro pistas tradicionais para a prática do esporte. O SESI, na Avenida Nossa Senhora de Fátima, que não pode ser mais utilizado pela população, pois o contrato com a Prefeitura não foi renovado. O do Clube dos Portuários, no bairro do Marapé, que possui piso de grama, mas que está abandonado. A pista da Associação Desportiva da Policia Militar, no canal 6, se encontra totalmente inutilizada.
Finalmente, o Brasil Futebol Clube, no bairro da Aparecida, que está agonizando pela falta de apoio. "Lembro que no ano passado, havia uma menina de 11 anos no SESI, chamada Tamiris, que em uma competição escolar completou a prova dos 600 metros rasos em 1 minuto e cinqüenta e sete segundos, algo notável para a idade dela", enfatiza o professor José Roberto, sendo que após o término do contrato do SESI com a Prefeitura, a menina sumiu. Como prova desse descaso, a competição de atletismo do Jogos Esportivos de Santos Joes, que contempla os estudantes das escolas municipais da cidade, não teve as provas de atletismo, pelo simples fato de não haver nenhuma escola inscrita para a competição.
Exemplo de fora - Quando se pesquisa sobre esporte nos países com alto, nos deparamos com uma certeza: o sucesso está nas escolas. Nos Estados Unidos, todo o planejamento esportivo está vinculado com a parte educacional. Em termos políticos, toda a estrutura organizacional esportiva está vinculada diretamente com as Secretarias de Educação locais. "Lá, a Educação Física não é mais uma simples matéria, e sim, uma disciplina", aponta o professor Ibraim Tauil.
Na Inglaterra, país sede da próxima Olimpíada, em Londres/2012, o mesmo conceito vem sendo aplicado há algum tempo, e os resultados já começam a aparecer. Em Pequim, os ingleses tiveram uma ótima atuação, principalmente em esportes que até então não conseguiam se destacar, como badmington e softbol. No final, apareceu na 4ª posição geral, com um total de 47 medalhas, sendo 19 de ouro.
"No Brasil, tentam mascarar a falta de investimento na base, aplicando a grande maioria dos recursos nos atletas já formados", diz Fabio Santos, professor da rede publica, lembrando que para uma melhor adequação do sistema curricular local, seria imprescindível trabalhar com crianças a partir dos três anos de idade, através de uma educação física voltada para a parte motora do aluno, possibilitando uma espécie de triagem, antes dos próprios professores encaminharem a criança para um esporte especifico, com aproximadamente dez ou onze anos.
A campeã geral das últimas Olimpíadas, a China, massificou o esporte através da base. Incentivou a prática desde a escola fundamental até o ensino médio. Criou o Departamento Nacional do Desporto Olímpico e, passou a criar centros de excelência para cada modalidade. Além disso, abriu as portas para profissionais de gabarito trabalharem no país, sem contar o recheado orçamento destinado ao esporte, fruto do crescimento econômico conquistado pelos chineses.
A Jamaica, pequeno país da América Central com pouco mais de 2,7 milhões de habitantes, conseguiu ficar a frente de países, como o Brasil, na ultima Olimpíada, conquistando 11 medalhas no total, sendo seis de ouro. Os jamaicanos investiram em um esporte simples e muito praticado pela população: o atletismo.
Atualmente, o país possui os dois homens mais rápidos do mundo: Usain Bolt — atual recordista mundial dos 100 metros rasos, com 9s72 — e Asafa Powell, ex-recordista, com 9s74. Ambos surgiram nas competições escolares e desenvolveram suas habilidades numa pista de grama modesta numa das principais universidades jamaicanas. É onde Asafa Powell continua treinando regularmente, sem precisar recorrer aos grandes centros.
Como se vê, não precisa muito, apenas um pouco de seriedade. Enquanto isso, o Brasil vai se arrastando graças ao esforço e talento de alguns e a esperteza de muitos.
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