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Motorzinho ou será Motorzão?
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Cadeirante e vencedor. O Ironman Motorzinho mostra que o esporte não vê barreiras nem mesmo sentado em cadeira de rodas |
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Por Jeferson Marques |
Fotos: Jeferson Marques e Aline Monteiro
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03h30 da manhã. Enquanto muitos estão na metade da balada, Motorzinho, 47 anos, está no começo do seu dia. Sai nesse horário e vai em disparada, montado na sua bicicleta especial, em que se é possível "pedalar com as mãos", percorrer 80 km por ruas e estradas da cidade de São Vicente.
Depois dessa maratona, Motorzinho vai para casa, almoça, descansa alguns minutos e já parte para sua natação. Fica até ás 15h no clube, volta para casa com sua cadeira de rodas e parte para um merecido descanso. Repete essa rotina três vezes por semana. Motorzinho é fã de novelas, filmes de comédia e ação, mas corre de filmes de monstro e horror! No máximo ás 21h30 já está dormindo.
Primeiro cadeirante da América Latina a disputar uma prova de Ironman,coleciona títulos: tricampeão da categoria, campeão brasileiro de Ciclismo, decacampeão do Spopen de Biathlon, hexacampeão do Troféu Brasil de Triátlon, hexacampeão Triátlon Internacional de Santos, 17º colocado no Mundial de Ciclismo na Suíça... Poderia citar outras dezenas de conquistas. Apresento-lhes Eliziário dos Santos, que prefere ser chamado apenas de "Motorzinho".
A simplicidade e as marcas de um homem que lutou, e muito, desde sua infância, são flagrantes. Estudou até a 8ª série do Ensino Fundamental e, mesmo assim, com extrema dificuldade, já que sua origem é de família pobre.
Motorzinho sempre tinha de se preocupar em manter-se trabalhando e ganhar seus trocados, ajudar seus pais na criação e no sustento dos nove irmãos. Porém fala sobre sua infância com emoção, satisfação e carinho. Hoje, mora com sua irmã mais velha e ambos são solteiros.
Conta ter sido uma criança como todas as outras. No pouco tempo que lhe restava, Motorzinho gostava de jogar futebol na rua, como todos os moleques do planeta. Pés descalços, ruas de terra e campo de barro. Se não tivesse campo, bastava o asfalto. Mas o futebol era um prazer com data marcada a vida lhe reserva uma surpresa.
Em 1995 ocorreu o que para muitos seria uma tragédia mas, para ele, foi o recomeço. Trabalhava em uma loja de artigos esportivos em São Vicente quando foi surpreendido por um grupo de assaltantes. Após o susto e sem perceber que o grupo estava armado, deu um grito de "pega ladrão" e levou vários tiros. Um deles pegou em sua medula, outro percorreu seus órgãos e, milagrosamente, não atingiu o coração e pulmões. Mas a vontade divina quis que a vida de Eliziário não acabasse naquele momento. Motorzinho merecia, sim, viver uma era mágica e, por isso, sua vida prosseguiu mesmo tendo ficado tetraplégico.
Sempre adepto dos esportes, antes de "nascer de novo" já praticava o pedestrianismo, maratonas e outros. Por incrível que pareça, acha que as oportunidades que lhe levaram ao triátlon foram melhores que antes, quando era apenas maratonista.
Motorzinho demonstra muito carinho aos seus amigos de infância que, por infelicidade do destino, procuraram um mundo relativamente mais fácil, onde as cobranças são muitas e podem até ser mortais.
Continuávamos sentados em uma cadeira bem ao lado da piscina semi-olímpica do SESTI/SENATI – São Vicente, clube oonde Motorzinho vai, de segunda a sexta, praticar natação. Cada pessoa que passava por ali, criança, adulto, portador de algum tipo de necessidade especial, Motorzinho fazia questão de cumprimentar. Olhava para cada um deles, dava sua "boa tarde" e abria um cativante sorriso, que lhe era inevitavelmente retribuído.
Preocupava-se com nosso bate-papo e com meu gravador. Minha intenção ali naquela tarde de tempo nublado e fortes ventos era conhecer o Eliziário dos Santos.
Quando o assunto entra em patrocinadores e apoiadores ao esporte, ele muda de feição e fica triste. As idéias de mudanças, revolta, indignação e incertezas circulam por sua mente e saem na direção do gravador. Procura uma explicação para tentar isentar os responsáveis por isso. Despejava as críticas aos nossos governantes que, segundo ele, jogam as responsabilidades nas empresas e tiram o seu "umbigo da reta".
Motorzinho não entende o processo de repasse de dinheiro para empresas, que descontam do imposto e que, finalmente, chega a pessoas como ele. Na sua visão, esse dinheiro deveria ir direto para as mãos dos atletas e a porcentagem que o governo dá às empresas deveria sair do seu próprio bruto, passando a ser uma ajuda fixa. Abrir uma conta no banco e funcionar como um benefício, sendo depositado sempre naquela data e sem atrasos! Fez questão de dizer do não atraso e se isso ocorrer, deve ser depositado com juros, "assim como eles fazem com a gente quando atrasa uma conta".
Jogo de Tronco? - : "Meu jogo de tronco me prejudica muito". Tive de perguntar o que isso significava. Com uma breve risada, bateu duas vezes em meu braço e disse "Perdão, garoto! Eu é que te atropelei."
Depois do ‘renascimento’, Motorzinho não consegue jogar o corpo para frente a cada vez que dá o impulso em sua cadeira, por complicações na medula. Imaginem só se ele tivesse um bom jogo de tronco?
O tempo passou muito rápido no clube, com um bate-papo alegre e descontraído. As pessoas presentes sempre olhavam para o atleta não com o sentimento de dó, mas sim enxergando-o como inspiração. Seu jeito elétrico de falar, seu tom de voz um pouco rouco e sua já gasta cadeira de rodas fazem de Motorzinho um gigante, mesmo estando sentado o tempo inteiro.
Mas quem disse que um homem para ser gigante precisa ter as pernas compridas? Quem disse que uma deficiência pode impedir de viver e de sonhar? Ele não critica seu destino, assim como não tem mágoas do passado. Sua vida recomeçou depois daquele acidente na loja de artigos esportivos e, para a sorte de todos nós, brasileiros, ele percebeu seu potencial e foi à luta.
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