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Pelada com uniforme e chuteira
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A Copa do Mundo de Futebol de Rua mostra que todo jogador, antes de ir para o gramado, jogava bola na rua de casa |
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Por Amanda Albuquerque |
Fotos: Divulgação
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O brilho do sol é interrompido pela sombra da bola que vem alta em sua direção. Mata no peito e domina. Dois vêm em sua direção, um de cada lado. Dribla um, a torcida vai à loucura. Dribla dois, a torcida começa a gritar seu nome. Sente nos pés o calor do chão aumentar, bate no ouvido o som da galera gritando "Betinho! Betinho! Betinho!". Escuta junto a voz de José Silvério narrando todos os seus movimentos enquanto olha o gol. Chuta. É gol. Roberto grita em comemoração enquanto sai correndo, de braços abertos, ao som da torcida que grita e canta enlouquecida. Os colegas de time começam a rir da comemoração exagerada, dão três tapinhas em suas costas e vão pegar a bola muito velha, que foi do tio de alguém, no meio da rua, já que esse último chute foi muito forte, mesmo para os pés descalços. Ele ri e desperta do sonho de Maracanã.
Roberto de Souza tem 18 anos e cursa o Ensino Médio no turno da noite. À tarde, trabalha no Lava à Jato Park, que fica na rua Uruguai. Pela manhã, ele e seus amigos jogam futebol na rua. Times demarcados como "sem camisa" x "com camisa" e, uma bola velha. Não é necessário muito para o jogo mais moleque que existe. Foi na rua que Roberto conheceu os amigos, com quem criou o time dos "Cobrinhas" e que desde muito novo vem participando em pequenas competições inter-ruas.
O sonho de se tornar o próximo Ronaldo sempre existiu em seu coração, mas a vida é difícil na Vila Nova. Desde cedo teve que trabalhar para ajudar em casa. Não poderia deixar de ir para a escola. Seguir o sonho dourado de vestir a camisa de um grande clube e pisar no tapete verde do Maracanã se tornou impossível, principalmente com tantas decepções. "Eu já tentei fazer teste no Santos, mas não deu nada certo. Lembro que o treinador nos mandou correr muito, até ficarmos bem cansados, e então começar um jogo experimental. Acontece que, em vez de me colocar para jogar quando tinha 'olheiros', o treinador preferiu escalar um sobrinho de alguém importante no clube. O garoto não jogava nem a metade do que os meninos do banco jogavam. Foi bem humilhante! Perdi a vontade de correr atrás desse jeito. Tenho que ajudar em casa, não tenho tempo e nem a disponibilidade financeira de aceitar esperar a boa vontade de me escalarem", contou Roberto. Mas isso não significa que a paixão pelo futebol sumiu.
A Chance - Foi em um dos jogos inter-ruas, jogando com o "Cobrinhas" que Roberto viu sua chance. Apesar de terem perdido de lavada oito à dois pro outro time, Márcio Alexandre Rodrigues Pereira, mais conhecido como Marcinho, atendendo ao pedido da Organização Civil de Ação Social OCAS, foi até eles com a notícia que haviam sido selecionados como alguns dos melhores jogadores do bairro e, que iriam para São Roque jogar por uma vaga na seleção brasileira, que vai no fim do ano para Austrália competir pela taça da Copa Mundial de Futebol de Rua, a Homless World Cup. A princípio, os meninos não acreditaram muito. Foi somente quando chegou a van, já na estrada, que a informação bateu no peito com força: eles tinham outra chance.
Viajar com o time de futebol deveria ser divertido, pensava Roberto, mas descobriu que viajar com os amigos era ainda mais. Conhecia Diego Emanuel, Anderson de França o Cajuru, Carlos Magno o Carlinhos, e Ricardo Mion. Cresceram juntos, o entrosamento no campo era o mesmo que tinham fora. Chegaram na sexta-feira à noite no hotel e, apesar de saber que acordariam muito cedo no sábado, conversaram e festejaram a noite inteira. Isso não comprometeu o futebol na manhã seguinte.
Futebol de rua não é que nem os jogos profissionais, é um jogo de amigos e isso os Cobrinhas podiam dizer que eram. Se Diego, que é goleiro linha, saía do gol, Cajuru já ficava na defesa. Carlinhos podia prever os passos do amigo e já se colocava na posição para receber a bola alta. Já posicionado, era só chutar para Betinho, que esperava para cabecear o gol. Os outros times não tinham o histórico de amizade, que o futebol de rua exige como pré-requisito. Não teve outro resultado: os Cobrinhas ganharam, não só a primeira seletiva, mas a chance da vida deles de serem jogadores de futebol.
O Chute - A Copa do Mundo de Futebol de Rua é um evento que já faz parte da agenda mundial há 5 anos e conta com apoio da Union of European Football Associations União das Associações Européias de Futebol, da International Network of Street Papers Rede Internacional de Publicações de Rua e, também, dos órgãos oficiais da cidade e do país que acolhem sua realização. Neste ano, a seleção brasileira contará com o apoio do Sport Club Corinthians Paulista e da Nike.
A organização do time brasileiro, desde o evento de seleção até a viagem, é feito pela OCAS através de seus voluntários e parceiros. "Procuramos interessados em ajudar na preparação total do evento e nos responsabilizamos por levantar os recursos e condições para que a equipe participe do torneio, respeitando principalmente os critérios sociais definidos, uma vez que mais que um torneio esportivo, a Homeless World Cup é um movimento social que tem o futebol com meio para transformar e resgatar vidas em todo o mundo. Estima-se que pelo menos 30.000 pessoas estão participando das seleções locais dos mais de 50 países que estarão na Austrália", conta Guilherme Araújo, presidente da OCAS. Os parceiros cedem o que podem, o que inclui acomodações, alimentação e transporte. É o caso da Universidade Anhembi-Morumbi, que apóia a preparação, e da Nike, que entra com a doação de material esportivo.
Os patrocinadores dão o suporte financeiro. Na maioria dos casos, ficam apenas com o pagamento das passagens para fora do Brasil. Eles variam de ano em ano e, por esta razão são uma preocupação constante para a OCAS e demais organizadores.
O Gol - Marcinho, da Sociedade Melhoramentos da Vila Nova, foi o encarregado escolhido pela OCAS por encontrar e selecionar os meninos de Santos para formar a seleção brasileira. O trabalho de Marcinho vai além da educação física, da saúde e do bem-estar da sociedade da Vila Nova, assim como as intenções da OCAS. "Amo meu bairro, mas confesso que nossos meninos necessitam de acompanhamento. É muito difícil mantê-los nas escolas e fora das ruas. O esporte é a melhor alternativa para evitar que eles entrem na marginalidade e se tornem bandidos. O trabalho que faço na Vila Nova tem esse intuito: ressocializar os meninos que, por alguma razão caíram no mundo do crime, e impedir que outros caiam. A Copa Mundial de Futebol de Rua tem exatamente o mesmo pensamento que eu, por isso me esforcei tanto para que meus meninos fossem para a seletiva."
A meta - O objetivo da Copa é buscar participantes e organizadores, reunindo pessoas para promover discussões sobre exclusão social e formas de se combater a situação de pobreza. Foi com esse espírito que a Ong OCAS e a revista Ocas assumiram a responsabilidade de selecionar e organizar a equipe de futebol para participar do evento. "A Homeless World Cup foi idealizada e organizada inicialmente pela INSP, uma organização que promove a comunicação de rua, a qual a Revista OCAS faz parte. Dessa maneira, a OCAS tornou-se a entidade responsável pela organização da equipe brasileira. Tamanho foi o sucesso da iniciativa, que a Copa, hoje, é uma entidade independente, tendo a INSP como grande parceira", diz Guilherme Araújo, presidente da OCAS.
A seletiva para os meninos também não se prende às habilidades no futebol. São levados em consideração aspectos comportamentais. "Como é uma iniciativa de intuito social mais que esportiva, temos a preocupação de analisar as atitudes e reações dos meninos, até porque eles não são mais crianças. Trabalhamos o físico e o emocional, para que o trabalho de inclusão social seja completo e sem falhas", explica Marcinho.
Mesmo trazendo a Taça do Mundo para casa, o sonho de jogar futebol não vai embora. Depois de voltarem da Austrália, o time do Marília, no interior de São Paulo, estará esperando por eles para fazerem um teste. Os que passarem, serão jogadores profissionais. "Eu tenho um contato com o Marília e sugeri isso. Eles gostaram da idéia, estão de olho na seleção desde então. Não queremos que joguem somente na rua, queremos um futuro. O esporte sorriu para o futuro deles, devemos incentivar que corram pelos seus sonhos e, é isso que estamos fazendo", revela Marcinho.
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