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  Inclusão Social  -  Tônus

 
Sempre cabe mais um
O relacionamento com o próximo faz do esporte ferramenta de inclusão social
Por Gabriela Soldano
Fotos: Gabriela Soldano
Ricardo e Fernando fazem basquete. Jéssica e Pedro fazem natação. Maria Luíza faz ginástica. Elisa faz dança de salão. Cada um deles, como muitos brasileiros, procurava alguma atividade que ajudasse na superação de seus problemas... Foi no esporte que encontraram a solução.

A partir de atitudes assim, a prática esportiva deixa de ser vista como um fator de competição, dentro ou fora dos ginásios e passa a ser vista como um instrumento de inclusão social, garantido pelo Estado.

Constituição - O esporte é um direito de todos, previsto na Constituição Federal em seu artigo 217, sendo dever do Estado promover e fiscalizar sua prática.

Cada modalidade esportiva possui características particulares, gerando assim, uma legislação própria, a Lei 9615/98 ou "Lei Pelé".

Um Estatuto do Esporte é discutido atualmente no Congresso Nacional. O Seminário Internacional de Inclusão Sócio-Cultural da População de Baixa Renda, ocorrido no dia 13 de março, na Assembléia Legislativa de São Paulo, colocou em debate o esporte como inclusão social e ferramenta benéfica para a sociedade. Pois, além do bem-estar e da saúde, a prática de qualquer atividade física ajuda na educação, formação pessoal, diminuição da criminalidade e melhora do Índice de Desenvolvimento Humano IDH.

Por esta razão, vários projetos sociais nascem nos quatro cantos do País para dar oportunidade às pessoas. A maioria deles já tem o suporte do governo federal. Essa é a prova de que o esporte pode ser um instrumento para a inserção de pessoas que acabam marginalizadas na sociedade por diversos motivos.

O professor Mariano Humberto Matiello é chefe do setor de atividades esportivas da Secretaria Municipal de Esportes Semes, que possui dois complexos esportivos em Santos: um no Rebouças, que abrange a área da Zona Leste, e um na Zona Noroeste. Ele acredita que o ato de tirar uma criança da rua e colocá-la na prática gratuita de qualquer esporte, já é uma forma de inclusão social. "Evitamos que a criança fique na frente de um televisor, na internet ou até mesmo na rua, quando cedemos a ela um período com

Práticas esportivas, aprendizado e até convívio social. Nesse momento vai haver um professor, como um educador, para ajudá-la no relacionamento com outras crianças."

Matiello conta que a Prefeitura de Santos tem vários trabalhos para pessoas portadoras de necessidades especiais, como deficientes visuais, cadeirantes e portadores de Síndrome de Down. "Eles são tão evoluídos que não ficam apenas na fase do esporte-saúde. Eles partem para a fase da competição, pois estão aptos para isso dentro de suas próprias limitações. Por exemplo, há grupos de deficientes visuais participando dos 10 Km Tribuna FM, ou ainda, pessoas amputadas que correm com próteses e superam limites, chegando a correr os 10 Km como uma pessoa normal." Ele explica ainda, que nestes casos o esporte deve ser adaptado, porém todo o esforço físico é o deficiente quem faz. "O guia vai atrás com uma fitinha, mas é somente para direcionar o atleta. Temos uma cadeirante que ganhou a Corrida São Silvestre, o que é ótimo para o atleta e para os profissionais da área."

Adaptação - Os professores Jorge Luiz Bragança e Osvaldo Brasil, ambos do Semes, coordenam aulas de basquete para deficientes mentais de vários níveis. Eles afirmam que há por volta de 40 alunos no estágio adaptado, que possuem dificuldades motoras e treinam apenas cestas ou arremessos, e 25 alunos no avançado, que participam da categoria aberta de adaptado. Estes alunos têm mais velocidade e maior habilidade multi-desenvolvida, por esta razão participam das competições. "No ano passado houve uma disputa aqui em Santos com mais oito cidades do Litoral Sul, que contava com 180 atletas. Nós fomos campeões nas categorias Aberto e Feminino, e Vice-Campeões na categoria Adaptado", conta Bragança. Ele acredita, ainda, que os esportes possibilitam uma ambientalização no grupo, pois acabam por socializar as crianças.

Os participantes deste projeto fazem ainda natação todas às quartas, quintas e sextas-feiras na parte da manhã e à tarde no complexo do Rebouças. A atividade também está sendo bem aproveitada pelos deficientes, pois estes participaram de um Campeonato Adaptado no dia 26 de abril no Sesc-Santos, a partir dos conhecimentos apreendidos nas aulas. Há também o trabalho realizado com deficientes mentais e visuais no Ginásio Esportivo da Associação dos Cegos, coordenado pelo professor Flávio Beloc.

Assim, o esporte, por sua natureza, possibilita a superação dos limites individuais de todos os envolvidos nesta prática, mas também pode superar os limites coletivos, ou seja, de socialização. Inclui um desfavorecido num projeto e proporciona oportunidades a talentos ainda não descobertos, que podem surgir tanto entre os alunos quanto entre os professores.

Programa - O professor Joel Moraes, professor de natação da Universidade Santa Cecília - Unisanta, criou um projeto para ensinar crianças de 5 a 9 anos do Educandário Santista a nadar dentro do complexo aquático da Universidade. Os professores são alunos de primeiro e segundo ano da Unisanta. "O que eu queria era identificar o bom técnico, ou seja, fazer um laboratório com os professores-alunos para ver a didática deles, se tinham vocação, como eles se sairiam e mostrar a importância do professor, que deve fazer a inclusão social, levar confiança e, é claro, não traumatizar a criança."

Moraes conta que o projeto foi bem sucedido. "As crianças no começo tinham medo, porque nunca tinham entrado na água, porém depois fizeram um vínculo com o professor e queriam ter aulas somente com aquele professor-aluno. As crianças passaram a fazer aulas de natação por puro prazer."

Depois do sucesso do projeto com as aulas de natação, a Universidade ampliou para todos os esportes. "Agora, aproximadamente 400 crianças do Educandário Santista vêm todos os dias para a Universidade ter aulas de basquete, futebol e vôlei na parte da manhã. Como estas crianças não podem vir à noite, neste horário estamos dando as mesmas aulas para os alunos da oitava e primeiro colegial do Colégio Santa Cecília." Cerca de 200 crianças do Colégio Santa Cecília participam do projeto para que os alunos da Fefesp do período noturno também possam colocar em prática todo o aprendizado de sala de aula.

O professor acredita que assim as crianças podem desenvolver a capacidade motora em grande escala, já que o professor-aluno consegue enxergar um talento numa criança, bem como ajudar na sua socialização. "Os alunos do primeiro colegial da escola particular têm quase todos entre 15 e 16 anos, ou seja, eles estão naquela fase meio rebelde. Um professor-aluno conseguiu dar atenção para um destes adolescentes da maneira como ele precisava. O jovem saiu contente da aula."

Este aluno teve de interagir com o restante do grupo para a correta prática do esporte, mas quem conseguiu realizar a interação bem como a inclusão social do adolescente no grupo foi o professor-aluno. "Você deve ensinar o aluno de acordo com a idade dele. Para o aluno da Fefesp é muito bom, pois este entra na Universidade com 17 anos, e também é um adolescente. É nossa obrigação passar para ele que, a partir do momento em que ele escolheu aquela área, ele será um professor e um formador de opinião. Logo, eles devem aprender a se portar na frente das crianças e adolescentes, não falando gírias e tomando cuidado com a postura, pois o que eles fizerem os alunos também farão."

O esporte procura ainda ensinar, através do trabalho em grupo, que todos os seres humanos são limitados fisicamente e intelectualmente, o que nos faz aprender a ganhar e também a perder, já que não podemos ter tudo o queremos.

Se a carapuça serviu - No intuito de reeducar o filho, mãe reforça laços e valores sociais por meio de atividades físicas.

A família Mendonça resolveu adotar o esporte como solução para o problema de todos. A engenheira Maria Luiza Mendonça, 37 anos, teve de colocar seu filho, Pedro, de 7 anos, na natação, pois o menino brigava e gritava quando não conseguia o que queria. "Ele tinha de aprender que nem sempre se pode ganhar o tempo todo. A natação conseguiu ensinar isso ao meu filho, pois ele teve de aceitar quando outras crianças alcançavam a linha de chegada antes dele."

Maria Luiza aproveitou o horário que seu filho estava na natação e matriculou-se numa aula de ginástica. "Ficava muito tempo em casa sozinha durante as tardes. Não tinha nada pra fazer e, só comia coisas erradas durante este horário. Aprendi que tenho que me envolver com outras pessoas para não ficar sozinha". Agora, Maria Luiza faz parte de uma associação beneficente que ensina crianças carentes a ler e a escrever.

Esta associação foi criada em parceria com as demais mulheres que faziam aulas de ginástica no mesmo horário que Maria. "Através das aulas tive de aprender a me socializar novamente, porque fazia muito tempo que não conversava profundamente com alguém que não fosse da minha família. Agora faço parte até de uma associação que procura ajudar as outras pessoas. É claro, que estou orgulhosa de mim mesma, mas sei que não fiz tudo sozinha." Ela acredita que a interação criada a partir da atividade física foi o principal fator da mudança.

Aposentando a preguiça - Outra característica marcante do esporte é incentivar valores pessoais, como: civismo, respeito pelas leis, normas e regras e a auto-estima pela vida.

A auto-estima pode ser também re-descoberta através do esporte, como no caso dos praticantes com mais de 50 anos. "Na terceira idade, eu não chamo de inclusão social, chamo de: permanência na atividade esportiva, porque muitos passaram a vida toda e se esqueceram do lazer e do esporte e foram somente se lembrar disso quando se aposentaram. Outros foram atletas a vida toda e hoje continuam fazendo atividades esportivas por puro prazer", conta Mariano Matiello.

O professor Jorge Machado, chefe do setor de esportes da terceira idade da Semes, explica que qualquer um pode participar de um esporte. A prova disso é o Projeto "Vida Nova", onde é ensinado desde dança até artes. Machado explica que a Semes atende a pessoas acima de 60 anos em todos os centros esportivos de Santos, com aulas de ioga, tai chi, natação, xadrez, dança de salão, dama, etc. Para participar do projeto basta o idoso procurar um centro esportivo no bairro mais próximo de sua residência e se inscrever em um dos esportes disponíveis. Este projeto social atende num total de 4.000 a 6.000 idosos.

"Para você ver como os nossos idosos estão bem, do dia 26 ao dia 30 de maio aconteceu os Jogos Regionais do Idoso em Ubatuba. A Prefeitura de Santos seguiu com uma delegação de 64 idosos, para competir nas modalidades de: buraco, bocha, malha, atletismo feminino e masculino, coreografia de dança sendo que Santos já é Vice-Campeã Regional nesta categoria, remo masculino e feminino, dança de salão, dominó, natação feminino e masculino, tênis de mesa feminino e masculino, truco, vôlei ambos os sexos, e xadrez somente masculino", comenta o professor.

Mariano explica que algumas pessoas querem ter um lazer, encontrando isso na prática de um esporte. "O fato de você ter de sair de casa para praticar esportes já é uma inclusão social."

Passos para seguir em frente - Dançar para superar a depressão. A dona de casa Elisa Mendonça, de 67 anos, mãe de Maria Luiza e avó de Pedro, aproveitou a carona da filha que ia para a ginástica e levava o filho para a natação e foi fazer aulas de dança de salão. "Meu marido morreu há alguns anos, me deixando sem saber o que fazer durante os dias e as noites em que eu ficava sozinha. Acho que entrei em depressão. Não atendia nem telefonemas da minha filha."

Elisa viu que a filha saiu de casa para fazer atividades físicas e melhorar a saúde física e mental, então resolveu que tinha de seguir de Maria Luiza. "Eu não queria ficar sozinha novamente. Então, me matriculei nas aulas de dança de salão três vezes por semana. Nossa como aquilo é maravilhoso!". Elisa aprendeu e, assim, reviveu todos os estilos musicais de seu tempo de adolescente e descobriu que em qualquer fase da vida é possível conviver com outras pessoas. E, que principalmente não há idade para sorrir. "Sozinha eu não fico mais. Dançar me ajudou a viver novamente."

Como começar - O professor Mariano observa que para praticar qualquer atividade física pelo Semes as pessoas devem passar por uma avaliação física dada gratuitamente pela Secretaria. "Temos grupos de professores especializados numa sala apropriada que farão uma avaliação postural, verificação de densidade de gordura, um diagnóstico momentâneo de massa magra e, a partir daí são encaminhados a um fisioterapeuta que analisa os dados e, após para um nutricionista que dará a melhor alimentação para cada caso determinado. Somente aí é que será indicado e orientado o esporte ideal para aquela pessoa."

Qualquer pessoa pode fazer uma destas avaliações dadas pelo Semes, basta agendar uma consulta que a equipe cuidará do resto. O agendamento, que funciona das 9h às 22h, está sempre cheio, pois além de várias pessoas estarem interessadas, a equipe também realiza a avaliação física das crianças das escolinhas dos complexos esportivos. "O número de atendidos é bem significativo. Atendemos muito a periferia, inclusive inauguramos um novo complexo na Zona Noroeste que tem até piscina coberta e aquecida, que aumentará ainda mais o número de pessoas atendidas."

O professor Cláudio Zenin explica como é feita esta avaliação física: "Deve-se agendar a sessão de avaliação e ter uma orientação esportiva para verificar o que deve ser feito para diminuir, por exemplo, a obesidade, avaliar o crescimento da criança, junto com uma alimentação adequada, pois há ainda um nutricionista disponível. Tudo isso orientando e associando a todos para uma atividade física gratuita."

A melhora dos alunos é perceptível. "Todos são avaliados uma vez e depois de certo tempo novamente. A gente percebe que realmente aumenta a satisfação deles e vemos o crescimento, por exemplo, da já citada auto-estima. A atividade física com certeza melhora a vida das pessoas como um todo", explica Matiello.

Inclusão de todos - Assim, se bem trabalhado, um projeto no setor de esportes extrapola a esfera da competição esportiva. Seus efeitos são sentidos no dia-a-dia. Projetos dessa natureza atendem crianças, adolescentes, jovens e idosos. As crianças e adolescentes ficam mais concentradas nas aulas, mais disciplinadas e, principalmente, fora das ruas. Os adultos socializam-se, e os idosos muitas vezes integram-se novamente na sociedade e ganham uma nova vontade de viver.

Dessa forma, o esporte consegue incluir socialmente a pequena idade, os deficientes, a terceira idade e todos os que querem participar de uma atividade física e fazer parte da sociedade. Por esta razão, o apoio dos governantes e da sociedade é muito importante, pois os benefícios do esporte alcançam muito além das quadras. O esporte agrega valores, não apenas tratando habilidades e capacidades cognitivas.

É importante lembrar que o conceito de inclusão social não diz respeito apenas à questão do problema financeiro existente no país, mas também se trata de trazer para a comunidade pessoas que estão à margem da sociedade, seja na questão de estudos, no relacionamento interpessoal, no acesso ao sistema de saúde ou mesmo excluído da prática esportiva.