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Comportamento - 1968 - Política, Comportamento, Cultura
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Do campus às ruas
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Organizações estudantis levantaram a bandeira contra a ditadura militar na busca por liberdade |
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Por Jordan Fraiberg |
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O ano de 1968 foi marcado por manifestações, protestos, greves, prisões e mortes em todo o mundo. O Maio de 1968, orquestrado por Daniel Cohn-Bendit em Paris, teve como objetivo mobilizar os estudantes e aprovar um programa de reformas educativas e de exigências políticas radicais. Os universitários franceses se manifestaram também contra a Guerra do Vietnã. No Brasil, não era diferente. “No início, na origem das ações do movimento estudantil, nós não lutávamos contra a ditadura militar — ou só contra ela. O movimento estudantil tinha bandeiras específicas, que diziam respeito a nós, estudantes. Mas era o Brasil. Vivíamos sob o tacão do regime militar e, óbvio, foi mais do que natural que rapidamente às bandeiras estudantis se incorporasse a luta contra a ditadura. Mas não lutávamos apenas contra ela. Lutávamos pela quebra dos dogmas e contra os padrões hierárquicos da sociedade”, lembra o ex-líder estudantil, José Dirceu.
Hoje, no movimento estudantil brasileiro, o termo massacre é usado, por exemplo, para se referir à falta de incentivo à educação. O ex-presidente da União Estadual dos Estudantes no período 1999—2001, Marcelo Arias, diz que as bandeiras mudam conforme a época: “A principal luta que tive foi a favor da presença da universidade pública na Baixada Santista. Fizemos manifestações, paralisações e até derrubada do veto. Ficamos acampados na Fatec e fizemos a greve na Faculdade de Medicina. Em 2001, chegamos a invadir a reitoria de uma universidade. Em 1968, lutar pela qualidade de ensino significava lutar contra a ditadura, isso porque os militares propunham a privatização da universidade pública. Hoje, a qualidade de ensino passa a ser a ampliação do acesso à universidade, como o Pró-Uni”, compara Arias.
A atual presidente da UEE, Caroline Hedjazi, diz que as principais causas estudantis são a reforma universitária — que amplia as vagas na universidade pública —, a regulamentação do ensino privado e até mesmo o passe livre para estudantes: “Entre outras coisas, pedimos a ampliação do Pró-Uni, diz Caroline. A UNE, hoje, tem a força majoritária da União da Juventude Socialista, mas também existem diversas outras chapas, assim como antigamente existiam diversas correntes que buscavam a presidência da organização”.
Com mais organização o movimento estudantil consegue promover ações que antigamente não conseguia. Como o Circuito Universitário de Cultura e Arte Cuca, que mantém um contato dos estudantes com a cultura brasileira. “O movimento estudantil só ocorre se os estudantes se mexerem. Aqui em Santos, o movimento está estagnado porque muitos estudantes não ligam para a política, não constroem a luta”, diz Caroline.
Ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu concorda que o movimento estudatil mudou muito e encontra-se hoje num contexto histórico diferente. “Ele o estudante militante pode optar pela militância num sindicato, numa ONG ou associação. Existem várias bandeiras como a questão do meio ambiente, a luta pela ética, a luta contra a pobreza, a luta pela terra. Além dos desafios de hoje, que também são diferentes dos daquela época, como por exemplo, a luta pela capacitação técnico-profissional, o problema da violência que atinge, principalmente, os jovens da periferia, entre outras questões”.
Existe uma divisão no movimento estudantil. O Centro do Estudante de Santos, por exemplo, não se articula com os estudantes e a com a própria UNE que, por sua vez, tenta reviver as ações políticas. “O que falta em Santos é construir lutas. Os presidentes de C.A.´S ou D.A.´S precisam saber da situação da cidade, se inteirar”, diz Caroline Hedjazi. Já José Dirceu relembra que o movimento estudantil no período do regime militar, principalmente em 1968, era um dos principais movimentos da sociedade civil, como a luta contra a ditadura: “Tenho profundo orgulho de ter sido um dos protagonistas do movimento estudantil na luta contra a ditadura no Brasil”.
O conflito da Maria Antônia - Estava tudo calmo até o dia 2 de outubro de 1968. Alguns estudantes faziam pedágio na rua Maria Antônia, para conseguir fundos para a participação em mais um evento da organização deles:
— “Ei, senhora, gostaria de nos ajudar com alguma coisa para participarmos do Congresso da UNE?” — dizia um estudante no pedágio, próximo à Faculdade de Filosofia da USP.
“Foi quando surgiram os mackenzistas”, conta Pedro Jaime, hoje funcionário do Mackenzie. Do lado da USP, os estudantes eram liderados pelo presidente da União Nacional dos Estudantes, Luís Travassos, e pelo presidente da União Estadual dos Estudantes, José Dirceu. Os estudantes portavam pedras, bodoques e coquetel molotov.
Do outro lado, no Mackenzie, os mackenzistas estavam preparados para o combate com bombas de ácido misturado a cal virgem, rojões, pedras, bodoques e também coquetel molotov. “Não foi um confronto entre as duas instituições Mackenzie versus USP, mas entre os estudantes da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo contra os estudantes mackenzistas, considerados de direita”, conta José Dirceu.
— Corre, corre, corre... os caras estão jogando bomba. Corre, cara, quer morrer aqui? Vão matar gente lá dentro, vamos ficar afastados dessa zona toda.
Pedro Jaime, o Jaiminho, avistava de longe a polícia. De um lado da rua, ouvia frases como “lança neles”. Do outro lado, ouvia o pessoal da USP gritar: “Milico desgraçado!”.
O objetivo da briga era a ocupação do centro universitário da USP, em 1968, que funcionava como um grande centro do movimento estudantil paulista. O curso de filosofia e o centro universitário ficavam no prédio da Maria Antônia. A manhã do dia 3 de outubro teve como resultado muitos feridos, um morto e o incêndio do prédio da faculdade de filosofia. O episódio levou à morte do estudante secundarista José Carlos Guimarães, de 20 anos. E ficou conhecido como o Conflito da Maria Antônia.
Histórico paulista - No ano de 1827, surgiu o primeiro curso superior de São Paulo, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Iniciava-se o movimento estudantil universitário paulista. Na época, os estudantes ingressavam na briga pela abolição da escravatura e pela proclamação da República. Foi só no dia 11 de agosto de 1903 que surgiu o primeiro centro acadêmico. Era o C.A. XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Já a União Estadual dos Estudantes de São Paulo foi fundada em 25 de janeiro de 1949, sendo presidida por Rogê Ferreira. Os principais motivos de sua criação eram a luta pelo petróleo e contra o nazismo.
O movimento estudantil paulista utilizava truques para enganar os militares. Havia os comícios relâmpagos e os comícios de ponto, somente as lideranças principais sabiam do endereço da manifestação. “A repressão estava presente em todos os setores, na educação, na política e também nas relações humanas, entre professores e alunos, homens e mulheres, pais e filhos. Eu me revoltei contra esses padrões conservadores, transformei-me em um daqueles jovens que se opunham ao golpe militar e militante da rebelião contra a estrutura moral e de comportamento”, diz o ex-presidente da UEE-SP de 1968, José Dirceu.
Ao mesmo tempo ocorria uma aliança entre as principais organizações políticas, que eram: Ação Popular, Política Operária e alguns do PCB. Essas organizações discutiam crises nas universidades, o golpe militar, transportes coletivos, intervenções, políticas internacionais, salários e lutas estudantis esperavam algo que os fizessem agir. Na falta de um motivo, surgiram dois, que eram a morte do estudante secundarista Edson Luis de Lima Souto originando a passeata dos 100 mil e a rebelião dos estudantes europeus.
Jean Marc Von Der Weid, ex-presidente da UNE e preso em 1969, em entrevista à revista da própria entidade, diz que logo após a morte de Edson Luís houve uma espécie de recesso do movimento estudantil, porque a palavra de ordem passou a ser a discussão se deveria haver um diálogo com o governo: “E no meio das discussões é que a gente deveria dialogar na prática. Ou seja, vamos colocar nossas reivindicações e vamos partir para o pau”.
O jornalista e escritor Zuenir Ventura, no vídeo O Poder Jovem, diz: “Houve uma misteriosa sintonia entre os jovens de toda parte, do sistema planetário, como se eles pensassem da mesma maneira, tivessem o mesmo sonho, o mesmo projeto, a mesma utopia”.
Matéria publicada no Correio da Manhã — 29 de março de 1968 - Atirando contra jovens desarmados, atirando a êsmo, ensandecida pelo desejo de oferecer à cidade apenas mais um festival de sangue e morte, a Polícia Militar conseguiu coroar, com êsse assassinato coletivo, a sua ação, inspirada na violência e só na violência. Barbárie e covardia foram a tônica bestial de sua ação, ontem. O ato de depredação do restaurante pelos policiais, após a fuzilaria e a chacina, é o atestado que a Polícia Militar passou a si própria, de que sua intervenção não obedeceu a outro propósito senão o de implantar o terror na Guanabara. Diante de tudo isto, depois de tudo isto, é possível ainda discutir alguma coisa? Não, e não.
Congresso de Ibiúna - Dias depois do sangrento conflito, ocorreu o 30º Congresso da UNE, que escolheria um novo representante e esse evento estava sendo clandestino. Desde 1965 as entidades estudantis atuavam na clandestinidade por causa do AI-5.
A polícia conseguiu intervir no encontro e aproximadamente mil estudantes foram presos, com as principais lideranças presas e encaminhadas ao DOPS. Os líderes presos foram: Wladimir Palmeira, José Dirceu, Luís Travassos, Antonio Ribas, Edson Soares, Franklin Martins, Paulo Steller, Luís Raul Machado e José Arantes. Até mesmo o CRUSP Conjunto Residencial da USP foi invadido em uma operação conjunta do exército, polícia federal e a militar com o objetivo de quebrar o principal foco de organização do movimento. Estudantes foram presos e o local foi fechado.
Depoimentos de José Dirceu
A escolha pelo movimento - Uma vez na faculdade, comecei, então, imediatamente a atuar no movimento estudantil. Eu já tinha uma boa bagagem intelectual e política e lógico que não poderia aprovar a quebra da normalidade constitucional em 1964, o golpe militar, a deposição de um presidente legitimamente guindado ao posto. Então eu já fora um opositor ao golpe, embora ainda engatinhasse na vida política quando o presidente João Goulart foi derrubado. Um ano depois, em 1965, ao entrar na faculdade de Direito da PUC, o cenário era triste. A repressão do regime militar já havia fechado as associações atléticas e centros acadêmicos, havia censura ainda que não institucionalizada, livros já eram proibidos. Na época havia muitas referências e lideranças. Em 68, eu estava na presidência da União Estadual dos Estudantes em São Paulo UEE-SP e junto a outros companheiros, liderei célebre batalha da rua Maria Antonia, em 3 de outubro de 1968.
Experiências e conseqüências de uma vida de militância - Minhas experiências foram profundas e marcaram a minha vida. Fui preso e banido. Fui um dos 15 presos políticos trocados pela libertação do diplomata norte-americano Charles Burke Elbrick. Depois disso vivi o exílio e a clandestinidade, esta, de novo depois das reuniões das entidades estudantis que já fazíamos clandestinas no Brasil no nosso país, em Cruzeiro do Oeste, onde vivi com outro nome e outro rosto na primeira metade da década de 70. Fora do Brasil, no exílio, ou aqui, clandestino, sempre houve jeito de me informarem e de eu me informar e acompanhei as centenas de mortes e desaparecimentos políticos, a prisão e torturas infringidas aos militantes que lutaram pela liberdade. No auge da ditadura, nos chamados "anos de chumbo", período do ditador general Garrastazú Médici, de 1970 a 1974, o Brasil chegou a ter mais de 30 mil brasileiros refugiados fora do país, exilados legalmente ou não, apenas fugindo da perseguição política, do sufoco, do medo e dos riscos da morte. Em 1979, com a anistia, voltei à atuação política normal e ajudei a fundar e a montar o PT. As sementes dessa época, daquela luta, não só minha nem só do movimento estudantil, de todos, dos segmentos do povo organizados germinaram e fizeram o Brasil democrático e libertário que temos hoje.
Momento marcante - Quando fui libertado da prisão, em 1969, por exigência dos seqüestradores do embaixador americano. Cheguei a Havana aos 23 anos e fui recebido por Fidel Castro. Ele estava ao pé da escada do avião, na época, ele tinha 43 anos. Nunca mais esqueci aquelas imagens e o reencontro com companheiros que atuavam na Ação Libertadora Nacional e já se encontravam Cuba.
José Dirceu de Oliveira e Silva, nascido na cidade de Passa-Quatro, em Minas Gerais, no dia 16 de março de 1946.
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