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Comportamento - 1968 - Política, Comportamento, Cultura
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Ele fez parte da história
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Entenda o porquê na entrevista com o jornalista Zuenir Ventura |
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Por Rogério Amador |
Fotos: José Ventura
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Ele é referência quando o assunto é o ano de 1968. E não é para menos. Faz jus à prerrogativa de que todo o bom jornalista nada mais é do que testemunha do seu tempo. No seu caso, foi exatamente isso o que ocorreu. Foi um dos primeiros a ver o corpo do estudante Edson Luis, morto por policiais em março de 1968, durante a manifestação dos estudantes para protestar contra a alta dos preços no Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Em maio do mesmo ano, quando era repórter da revista Visão, recebeu como prêmio uma viagem a Paris. E não é que justamente nessa ocasião estourou uma das maiores manifestações estudantis já realizadas e que ficou conhecida como “O Maio de 1968”, em todo o mundo?
Sorte ou acaso? Zuenir Ventura acha que nenhum dos dois. Esse mineiro de Além do Paraíba, que acaba de completar 77 anos, acha que especificamente o ano de 1968 é um grande mistério. “Naquele tempo não havia comunicação em tempo real como temos hoje. E, portanto, como explicar todas essas manifestações ocorridas quase que ao mesmo tempo, em vários lugares do mundo como Espanha, Tchecoslováquia, México, Estados Unidos, sem ter sido planejado ou até mesmo visto por alguém? É inexplicável”, conclui o jornalista, que após voltar ao Brasil, vindo da França, foi preso pelo regime militar e taxado de articulista da imprensa a favor do Partido Comunista.
Atualmente colunista do jornal O Globo e da revista Época, Zuenir Ventura tem na fala serena e na qualidade de seus textos uma de suas marcas registradas. Ganhou prêmios importantes como o “Esso de Jornalismo” e o “Vladimir Herzog”, com a série de reportagens para o Jornal do Brasil sobre a morte do líder seringueiro Chico Mendes, no Acre, e o Jabuti, com os livros Cidade Partida e 1968 — O ano que não terminou.
Em 2008, lançou o segundo livro sobre o ano, 1968 — O que fizemos de nós, pela Editora Planeta. Na obra, Zuenir faz um balanço das conseqüências de 1968 e traça um paralelo político/comportamental com a atualidade, focando personagens que marcaram a época, como Fernando Henrique Cardoso, Caetano Veloso, Fernando Gabeira e José Dirceu.
No momento, o autor encontra-se divulgando o seu mais recente trabalho por todo o País. Num raro momento de folga conseguimos entrevistar por telefone aquele que é considerado como “a voz de 1968”.
Revista 1968 — No primeiro livro, "1968 - O ano que não terminou" o senhor retrata os principais eventos no Brasil e suas conseqüências. Na sua análise, qual foi o principal fato em 1968 que serviu para mostrar a indignação do povo em relação a um modelo autoritário?
Zuenir Ventura — Na verdade é difícil falar sobre um único fato. Esse ano foi marcado por várias manifestações, principalmente pelas questões comportamentais. Costumo dizer que 1968 foi um divisor de águas, sobretudo pelo plano das liberdades pessoais. Se hoje as meninas podem andar livremente pelas ruas com as suas minissaias, foi uma conseqüência de 1968. Podemos destacar também o movimento feminista, a revolução sexual, o movimento homossexual, enfim. Quando em sã consciência poderíamos ver mais de três milhões de gays nas ruas de São Paulo realizando uma manifestação? Era algo totalmente impensável. Também podemos citar o movimento ecológico, o movimento negro, situações e desejos que começaram a aparecer em 1968. Portanto é impossível citarmos sobre um único fato ou o mais importante.
Revista 1968 — No Brasil, as manifestações além de comportamentais não tinham um cunho político?
Zuenir Ventura — Sem dúvida. Uma coisa levava à outra. Vivíamos no auge da ditadura militar, e o que o povo, ou a grande maioria dele queria, era ter a liberdade em uma série de coisas que acabei de citar e que o governo da época não abria mão. Aliás, esse fato não ocorria apenas com a gente. Grande parte da Europa também passava por situação semelhante.
Revista 1968 — Já que o senhor citou a Europa, será que sofremos influência do que estava ocorrendo lá?
Zuenir Ventura — Engraçado que você citou uma coisa, da qual até hoje eu não tenho resposta. Para mim é um verdadeiro mistério o que aconteceu em 1968. Todo mundo pergunta: como tudo isso ocorreu, em diversos lugares do mundo como México, Praga, Paris, Madri, sem a comunicação que existe hoje? Naquela época, para uma correspondência sair do Brasil para a França, por exemplo, demorava meses para chegar a seu destino. Ou seja, era praticamente impossível saber o que acontecia em outro país ou em outra região. E tudo aconteceu com uma sincronia incrível, com os mesmos anseios. É por isso que digo que 1968 não é um ano, e sim um personagem.
Revista 1968 — Como assim, um personagem?
Zuenir Ventura — 1968 é um personagem porque vivemos discutindo sobre ele. Igual a um sujeito narcisista que não quer sair de cena. Outro dia, numa palestra em uma universidade, observei que a platéia era grande e heterogênea, ou seja, havia pessoas ali que em 1968 já tinham 20,30 anos. Outras que nasceram naquela época e muitas que souberam de 1968 apenas pelos livros ou que ouviram falar. È impressionante como o assunto desperta a curiosidade e a simpatia das pessoas. Eu brinco que daqui a 40 anos continuarei a contar as mesmas histórias, só que para um outro público.
Revista 1968 — O senhor esteve na Europa por ocasião das manifestações em 1968. Qual a sua visão sobre o fenômeno?
Zuenir Ventura — Essa é outra história interessante, porque eu não esperava estar lá. Na época, eu trabalhava na revista Visão, no Rio de Janeiro, e recebi como prêmio uma passagem para Paris. Pois bem, só foi eu pisar na França, isso em maio de 1968, que estouraram as manifestações. Até hoje brincam comigo sobre isso. Este, aliás, foi um dos motivos da minha prisão. Havia um coronel chamado Pimentel... Assim que desembarquei no Brasil ele me interpelou dizendo que eu era uma espécie de pombo-correio de Moscou que, na verdade, eu estava trabalhando para os partidos comunistas. Coisas da ditadura da época. Não adiantava eu dizer que tudo não passou de coincidência, pois o coronel não acreditava. Mas voltando ao que você me perguntou com relação à França, as manifestações eram de ordem comportamental, assim como em boa parte do mundo.
Revista 1968 — Porque lideranças importantes de 68 como Nicolas Sarkozy, Daniel Cohn-Bendit na Europa e Fernando Gabeira no Brasil gostariam de esquecer esse ano?
Zuenir Ventura — Existe uma vertente ruim sobre esse ano, que lhe atribui todas as questões negativas sobre temas considerados importantes como família, a falta de respeito às hierarquias, às drogas, enfim, situações que tiveram como conseqüência aquelas apregoadas pelas manifestações em 1968. Eu já vejo de forma diferente. É por isso que é importante discutir 1968. Por exemplo, acredito que o legado da Semana de 1922, a antropofagia de Oswald de Andrade, foi o movimento de 1968.
Revista 1968 — No segundo livro o senhor entrevistou personagens como Caetano Veloso, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Gabeira e José Dirceu, que desempenham papéis importantes no cenário político e cultural da atualidade. Acredita que essa geração amadureceu quanto a seus ideais?
Zuenir Ventura — Quando entrevistei o Caetano Veloso, ele disse uma frase emblemática: “Zuenir, para ser parecido tem de ser muito diferente”, referindo-se à importância do ano de 1968 para todos. Aqueles que participaram dos movimentos de 1968 interagiram com tudo aquilo e adquiriram variadas formas de enxergar as questões políticas/comportamentais. Tanto que todos esses que você citou são pessoas importantes no cenário político/cultural, mas que graças à liberdade e à democracia praticam ideologias diferentes.
Revista 1968 — A geração de hoje é mais apática que a de 40 anos atrás?
Zuenir Ventura — É incrível como a geração de 1968 tem um olhar de antipatia com a geração de hoje. As pessoas dizem que a geração de hoje só quer saber do presente, que não tem apego às ideologias, que vive apenas de paroxismos. Mas eu pergunto: qual o apelo que o jovem tem hoje para se tornar um senador da República, por exemplo? A geração de hoje vive outra revolução, que é a revolução tecnológica. As principais descobertas nessa área, como o Google e a Microsoft, foram feitas por jovens. Portanto, os jovens de hoje não são mais ou menos apáticos. Só vivem situações diferentes.
Revista 1968 — Quais as heranças que 1968 deixou para nós?
Zuenir Ventura — Como eu já disse, toda revolução ou manifestação tem suas heranças positivas e negativas. E 1968 não foi diferente. Acredito que de positivo o que ficou foi a generosidade dos jovens, daqueles que lutaram e se doaram de corpo e alma pela uma causa pessoal e coletiva, que cresceram através de uma ideologia que foi perseguida e conquistada. Agora, a herança maldita, eu não tenho dúvida, que foram as drogas e toda essa permissividade que está por trás dela. No meu segundo livro, escrevo acerca de uma rave que visitei. Imagina só um velhinho em uma festa dessas. Mas foi legal, me lembrou muito Woodstock e o movimento hippie. Hoje, temos a música eletrônica, o new hip. Inclusive o título desse capítulo ficou assim: “A primeira rave a gente nunca esquece”. Agora, essa questão da ilusão ingênua, da busca pela vertigem e pela felicidade por meio das drogas são uma lástima. Até porque quem se aproveita disso são as grandes multinacionais, que faturam horrores com a venda de drogas. Mas, enfim, apesar de tudo o que falamos, não tenho dúvida de que 1968 foi um ano muito bom.
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