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A vida no mangue
Enchentes, falta de saneamento básico, lixo e desastres da própria natureza marcam dia-a-dia de moradores do Dique da Vila Gilda e Vila dos Pescadores
Por Camila Ornelas
O Dique da Vila Gilda — a maior favela de Santos — reúne todas as características de um grave problema social. Apresenta desequilíbrios ambientais e sociais: o esgoto in natura lançado no Rio dos Bugres, o abastecimento de água de qualidade precária, as palafitas construídas sobre o rio poluído e as enchentes ameaçam seriamente quem vive ali. Localizado na Zona Noroeste, o local era antes era um imenso manguezal.

De acordo com a arquiteta e gerente de projetos da Companhia de Habitação da Baixada Santista Cohab, Regina Del Cistia, no Dique da Vila Gilda existem mais de 20 mil pessoas vivendo sobre o mangue: são quase 3,5 mil famílias que se aglomeram em barracos, distribuídos em uma área de mais de quatro quilômetros de extensão.

Os diques de Santos foram executados pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento, na década de 1950. O próprio órgão dá informações contraditórias sobre a finalidade dos diques: a primeira é de que o Ministério de Viação e Obras Públicas determinou a recuperação dos manguezais para a implantação de atividades agrícolas próprias do solo úmido a segunda informa que os diques foram construídos para conter as cheias provocadas pelo Rio dos Bugres nos bairros do Jardim Rádio Clube e Jardim Castelo. Os diques foram executados e equipados com comportas em vários pontos, para impedir o efeito da maré alta. Na área que deveria ser usada para a agricultura foram construídos canais e, junto ao dique, um canal de maior dimensão, permitindo o armazenamento das águas das chuvas de grande intensidade.

No Dique da Vila Gilda, as habitações da frente parecem mais firmes e habitáveis. Mas à medida que se caminha por aquelas estreitas passagens mangue adentro surgem casebres precários que abrigam, às vezes, seis pessoas ou mais. Não há saneamento básico ou esgoto sanitário na área. Os detritos são lançados in natura sobre o Rio dos Bugres e sobre o canal interno, entre a Avenida Brigadeiro Faria Lima e o dique.

O convívio com o lixo faz parte da vida de Maria do Carmo de Jesus, de 53 anos, catadora de garrafas pet no Dique da Vila Gilda. Ela descobriu na atividade um modo de sobrevivência. Nascida na cidade de Itabaiana, em Sergipe, a mãe dela separou-se do pai e em 1962 veio para a Baixada Santista, em Praia Grande, com os cinco filhos, em busca de uma melhor qualidade de vida.

Mas a realidade foi bem diferente, pois as mesmas dificuldades que enfrentava em sua cidade natal continuavam. A catadora lembra que passou fome e chegou a morar embaixo da Ponte Pênsil, em São Vicente. Sem ter como se sustentar, novamente mudou de cidade e se transferiu para Santos: “Quando descobrimos que as pessoas estavam invadindo a Vila Gilda, decidimos ir também. Passamos a morar em um barraco minúsculo, mas pago apenas R 10,20 de conta de luz”.

Na época em que se mudou para a Vila Gilda, Maria do Carmo diz ter conseguido um emprego no supermercado Eldorado hoje Carrefour. Mas as expectativas de um novo rumo na vida duraram pouco, pois logo foi demitida. Além disso, separou-se do marido e a filha Bianca nasceu prematura. Assim, a sergipana tornou-se catadora.

Atualmente morando sobre as palafitas, todos os dias ela percorre as ruas da Vila Gilda com uma carroça em busca de garrafas, ferro-velho e papelão, material que lhe permite o sustento e o filha, hoje com 16 anos: “Quando consigo dez quilos de garrafas, ganho R 2,50. Mas só posso ficar catando meio período, pois estou doente. Sofro de bronquite, pedra na vesícula, mioma e também tenho hérnia no estômago”.

Todo o material que consegue, Maria do Carmo troca em empresas que reciclam plástico. Ela diz que o caminhão de lixo sempre passa próximo à sua casa, mas ainda assim existem moradores que jogam o lixo em qualquer lugar da favela ou então a recriminam por ser catadora: “Outro dia mesmo eu estava passeando com a minha filha e vi umas garrafas jogadas na calçada. Então pedi para que ela as recolhesse. Um rapaz viu e a xingou de maloqueira. Minha filha ficou com vergonha”.

Camarão e marisco

Já o aposentado pela Prefeitura de Santos, Davi Ribeiro Dias Filho, de 73 anos, mora no Dique da Vila Gilda há mais de 30 anos. A comodidade e o fato de sair para pescar quase todos os dias fizeram com que ele escolhesse esse lugar para viver. Ele mora um barraco próprio. A cada três meses, paga R 10,00 de luz.

Mesmo com uma vida difícil na favela, Davi Ribeiro diz que não vê isso como problema e prefere continuar morando ali motivado pelo custo baixo de vida: “Muitos ainda estão aqui porque não pagam nada, nem aluguel. Se eu for obrigado a sair daqui, vou sentir muita falta. Já estou acostumado com essa vida do mar. No dia em que não vou pescar, fico doente”.

Ele conta que desde pequeno gosta da vida no mar. “Não largaria essa vida por nada, pois a gente morre e o dinheiro fica. Não vou sair daqui para ficar preso em um apartamento, assistindo TV. Aqui eu estou em contato com a natureza”.

Davi Ribeiro trabalha com a pesca para complementar a renda de um salário mínimo e meio. Costuma sair às 4h30 da manhã e volta para casa em torno do meio-dia. Ele pesca camarão, caranguejo e siri. Nos dias mais difíceis, costuma pegar em torno de oito a dez quilos de mariscos: “Em dezembro e janeiro, capturo de dez a 20 quilos por dia e vendo barato, de R 5,00 a R 6,00 o quilo”.

Como não existe tratamento de esgoto no dique, a área é poluída. Os peixes que ali são capturados, como parati ou a tainha, não prestam para o consumo humano. “Se a intenção for buscar um fruto do mar de boa qualidade e mais limpo, temos de nos afastar a mais ou menos a uma hora de barco e bem longe daqui”, diz Davi Ribeiro.

Segundo ele, apesar da falta de saneamento básico, lixo no Rio dos Bugres e da poluição do mangue, a Prefeitura de Santos ajuda doando as madeiras utilizadas para fazer as pontes e corredores das palafitas e que estão estragadas. Quanto ao problema da poluição, o aposentado diz que se preocupa em fazer a sua parte. Ele joga o lixo em um saco e não direto nas águas do Rio dos Bugres. “Todos os dias às cinco e meia da tarde vou colocar o lixo na rua, enquanto muitos jogam os sacos na água. Para muitos, é mais fácil jogar aí”.

A Prefeitura de Santos mantinha o programa Troca-Treco para incentivar as comunidades ribeirinhas a recolher o lixo do mangue, principalmente pets e tetrapack. De acordo com o secretário de Meio Ambiente, Flávio Rodrigues Correa, incentivados pelo programa criado em 2004 os moradores estavam limpando o mangue, quando perceberam que era mais fácil catar lixo na rua do que no mangue. “Então, o objetivo do programa deixou de ser atingido, pois a população passou a se envolver com a comercialização paralela de pets e outras coisas e deixamos de fazer o programa”, diz.

Outro programa que está sendo instalado pela Prefeitura é o “Santos Nossa Casa”. Na região de toda a Zona Noroeste e também na Vila Gilda, a Prefeitura pretende incentivar os moradores — no sentido de educação ambiental — a recolherem adequadamente e não lançar lixo pela janela de suas casas. “Duas embarcações, cada uma com uma grade, vai gradeando os resíduos, recolhendo e retirando. Essas embarcações trabalharão nos fins de semana na região da praia e durante a semana nas regiões dos mangues”, garante o secretário.

Vila Pelé I e II

De acordo com a gerente de projetos da Cohab, o governo federal vai liberar um investimento para o Projeto de Urbanização da Favela do Dique da Vila Gilda, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento PAC, que será aplicado em habitação popular. “O investimento foi pedido em 1993 e começamos a atuar em 1994. Desde então, viemos recebendo pequenas quantias, mas agora o governo vai liberar uma grande verba para a urbanização dessa área”.

Quanto ao controle de invasão de famílias no Dique da Vila Gilda, Regina diz que foi feito um cadastramento topográfico de todas as casas e famílias. “Fizemos um zoneamento topográfico, na qual toda a casa foi numerada. Em termos de habitação, não é mais permitido avançar um metro naquela região”, explica.

Projetos como a Vila Pelé I e II — fase I, com 311 lotes urbanizados, e fase II, com 480 apartamentos — já estão em andamento e abrigarão as famílias que moram em palafitas.

O secretário de Meio Ambiente de Santos, Flávio Rodrigues Correa, diz que o programa da Prefeitura prevê que parte das residências será retirada do Dique da Vila Gilda e parte será urbanizada. As que serão retiradas irão para o conjunto habitacional e as que continuarem ali fixadas terão toda a estrutura urbana: pavimentação, iluminação, água, luz e esgoto.

TCC 2007 orientado por Márcio Calafiori