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Cuenca: da internet para as páginas impressas
A internet acolhe todas as vertentes. É a literatura da nova geração
Por Leonardo Leal
Fotos: Daniel Elias
Ele começou escrevendo em blogs, sim, na internet, mas sua literatura atravessou a tela dos computadores, transformando-se em crônicas e romances de livros e jornais. Em 2007, com menos de 29 anos, foi selecionado, no Festival de Hay, em Bogotá, como um dos 39 autores, com menos de 39 anos, de mais destaque na América Latina.

Ultimamente, prefere a permanência da página impressa. Corpo Presente, que surgiu a partir da publicação de um conto na revista Ficções, agradou à crítica e aos leitores. Com o sucesso, ele deixou de ir a eventos que tratavam da literatura na internet para falar do seu estilo de escrita, da liberdade do escritor e do que se convencionou chamar ‘literatura da nova geração’. A Internet acolhe todas as vertentes e assim como a televisão, é relegada ao segundo plano, quando os diretores resolvem fazer cinema.

A tendência que caracterizou os autores iluministas do século XIX, ao retratar o comportamento do povo, burguesia e nobreza é continuada por autores como João Paulo Cuenca. No século XXI, com as classes re-paginadas em celebridades, ricos e pobres.

O escritor mostra as agruras do Rio de Janeiro e do mundo por conseqüência a partir de Copacabana que é um microcosmo do Brasil. Com espírito crítico, ele reconhece os problemas de sua geração e, de certa forma, faz também um “mea culpa”.

Para Cuenca, a imagem idílica do Rio de Janeiro se cristalizou de forma que, não se pode tocar, não se pode criticar ou até mesmo brincar com o Rio Maravilha idealizado, porque as pessoas preferem viver na ilusão ao invés de encarar a triste realidade.

“Se você brinca com isso todo mundo fica muito empertigado e ofendido. Mas, não se ofendem com as coisas que estão sendo feitas com a cidade. Não se ofendem em ver a cidade maltratada. Não se ofendem em ver um prefeito que é um lunático, que não faz nada para a cidade e só fala besteira”, analisa.

Cuenca não economiza palavras, sua preocupação social é clara. O despropósito da sociedade contemporânea é o seu mote. “Hoje em dia as pessoas não entendem a piada e riem de coisas que não são para rir”, considera.

Ele cita o caso recente em que acompanhou as celebridades cariocas numa sessão do filme Tropa de Elite e elas ficavam rindo das cenas sanguinolentas de tortura. A exibição foi tema de uma crônica que o escritor escreve as terças no jornal O Globo.

“Minha crônica começa fazendo um paralelo com a anistia no Brasil. Fala da ditadura militar, dos torturadores que foram anistiados e que hoje estão por aí jogando peteca em Copacabana”, diz.

No texto, ele esclareceu que na América Latina os julgamentos dos militares estão mais adiantados do que no Brasil. Na Argentina, por exemplo, um padre foi preso por ter sido torturador durante a ditadura. A crônica teve repercussão e o autor recebeu muitas críticas e até ameaças.

“O brasileiro não se importa muito com a violência policial. Eu faço uma comparação entre a violência policial da ditadura militar e a violência policial do Bope, sendo que a mesma classe média continua aplaudindo os dois tipos de violência”, explica.

Na sua análise as pessoas partem para o lado pessoal e não discutem idéias, que é o objetivo de um debate construtivo.

“A gente caminha para uma barbárie, para o fim dos tempos, especialmente no Rio de Janeiro, e essa barbárie é institucionalizada”, observa Cuenca que vê uma tolerância muito grande do brasileiro em relação à violência e à tortura, porque sempre acha que é no outro no “alienígena, no pobre, no favelado”.

Escritor defende que boa literatura faz perguntas

Uma barba semelhante a Che Guevara, vestido de blazer, camiseta, calça social e um All Star inconfundível caracterizam o escritor de 29 anos que esteve em Santos, na, Feira Nacional do Livro Brasileiro Fenalba, ocorrida em outubro de 2007. No evento João Paulo Cuenca falou sobre o ofício, os romances singulares e sobre o futuro do país.

Liberdade para criar

— Não sou muito bom para dar conselhos. Você tem que escrever com muita liberdade. Você é soberano quando faz literatura. Não tem que pensar em ninguém. Tem que pensar no que você está querendo criar. Depois, você deve pensar em publicar, dar autógrafo, se as pessoas vão ler ou não. Isso é outra coisa.

— Você cria um universo, você é Deus, é um personagem, é o cara que escreve a trilha sonora, é o ator principal, todos os figurantes que estão atrás da cena. Você sabe o que cada um deles pensa e você vê com o olho de cada um deles. Você vai a lugares que não conhece, cria esses lugares, cria o universo, cria o mundo.

Início

— Nunca imaginei que fosse ganhar qualquer tostão com a literatura. Nunca parei para pensar em vender um livro. Na época eu queria fazer cinema, mas, sempre tinha uma pessoa que dizia: Você tem que ganhar dinheiro. Eu tinha uma preocupação muito grande. Porque não tem dinheiro na minha família, tudo mundo duro, e eu queria ganhar dinheiro, então fui estudar Economia. A Economia me deixou isolado do meio literário carioca. Quando eu comecei a publicar, não conhecia ninguém, e isso foi bom porque eu cheguei pelo texto.

— Eu comecei a escrever meu primeiro livro quando fazia estágio num banco. Era tão chato que nos intervalos eu ficava escrevendo, e daí saiu o livro Corpo Presente. Não sou autobiográfico. Eu não escrevo sobre mim. Na maior parte das vezes eu escrevo sobre um cara que é imaginário.

Paixão

— Tenho uma paixão pela leitura e em algum momento pensei em escrever um livro que gostaria de ler, resolvi escrever um conto, publicado na revista Ficções, que se transformou no livro Corpo Presente.

Autocrítica

— Nos livros há uma crítica a minha geração, como também a mim mesmo. Eu não me distancio do objeto da literatura. Eu me coloco dentro dele e faço a minha própria autocrítica. O livro carrega isso. Não acredito em uma literatura que pretende dar soluções para as coisas. A boa literatura faz perguntas. Faz boas perguntas e faz as pessoas pensarem. Quando escrevo, minha intenção é fazer as pessoas se questionarem e questionar o papel delas no mundo. Porque, quando escrevo um livro, estou questionando o meu papel.

Cenário

— O romance se passa em Copacabana, que é um resumo do Brasil. Tem favela, tem a classe média espremida no meio e tem a elite, os ricos que moram na Avenida Atlântica em apartamentos de três milhões de dólares. No bairro em poucos quarteirões você encontra tudo. 200 mil pessoas convivem num espaço exíguo e entre a água e a montanha. Acho que é uma boa amostra do que é o Brasil.

Futuro

— Eu só consigo ver o futuro para este País através do investimento na educação - educação básica, que deve ser feito agora, maciçamente. Para a gente ver o resultado daqui a 20, 30 anos.

— Não é construindo muro e armando a polícia, botando helicóptero e Caveirão em morro que a gente vai melhorar o país. Isso não resolve. É preciso trabalhar com os moleques que estão nascendo agora, que vão nascer amanhã para que eles sejam adultos melhores.