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O poder da charge
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Essa modalidade de humor e de crítica social e política existe há mais de dois séculos e continua incomodando as pessoas públicas que insistem em resvalar na ética |
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Por Carolina Iglesias |
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Em outubro de 1970, no auge da ditadura militar, o humorista Jaguar fez uma charge em O Pasquim, que resultou na prisão de parte da equipe do jornal. A charge achincalhava o espírito nacionalista, do “Brasil, ame-o ou deixe-o”, tão ao gosto dos militares. O humorista reproduziu o quadro de Pedro Américo, O Grito do Ipiranga, com D. Pedro I às margens do riacho Ipiranga, em cima do cavalo e de espada em riste, só que em vez de “Independência ou Morte”, o imperador bradava: “Eu quero é Mocotó”, referência à música de Jorge Ben, sucesso absoluto na época. Por causa da charge, Luiz Carlos Maciel, Paulo Francis, Ziraldo, Sérgio Cabral e Paulo Garcez foram parar na cadeia, além do próprio Jaguar.
O episódio de O Pasquim expõe uma das principais características da charge — a crítica social e política contundente, expressa com humor. O chargista, ilustrador e professor Osvaldo da Costa, o DaCosta, diz que a função da charge é “cair de pau no estabelecido”: “Socialmente e politicamente, o chargista é um ser indignado e por isso o seu trabalho causa impacto”. Mas às vezes, a charge pode causar um incidente internacional como o protagonizado pelo jornal dinamarquês Jyllands Posten, que em 30 de setembro de 2005 publicou uma charge do profeta Maomé num turbante-bomba, provocando a reação imediata dos islâmicos.
Charge vem do francês e significa carregar, exagerar, atacar violentamente. A palavra originou-se das cargas de cavalaria e, posteriormente, foi assimilada por jornais e revistas como a sátira de fatos políticos. No Brasil, a charge surgiu em meados do século 19, após a chegada dos imigrantes europeus, que logo perceberam que o desenho satírico poderia interpretar fatos e impor opiniões. Ao invés de citar nomes, as charges misturavam imagens de pessoas públicas, identificando-as por meio de vestimentas e cenários.
Assim, os jornais e demais publicações brasileiras logo perceberam que esta poderia ser uma arma potente para expressar as suas opiniões. A partir de meados do século XIX e depois no decorrer do século XX, o País agregou verdadeiros talentos nos desenhos de humor que satirizavam os hábitos da sociedade e a política. Em revistas como A Lanterna Mágica, Marmota Fluminense, Illustração Brasileira, Semana Illustrada, A Comédia Social, O Mequetrefe, O Mercúrio, D. Quixote, O Malho, Fon-Fon e Careta surgiram nomes como Raul Pederneiras, J. Carlos, Calixto Cordeiro, Théo, Alvarus, Nássara e Augusto Rodrigues, que vieram dar o tom ao desenho gráfico nacional que culminou na geração de Millôr Fernandes, Jaguar, Henfil, Ziraldo, Paulo e Chico Caruso. E mais recentemente em Glauco, Angeli, Spacca, DaCosta e Dalcio, entre outros.
Mais do que reportagem
O professor e cartunista Alexandre Barbosa, o Bar, diz que uma charge pode, às vezes, incomodar mais do que uma reportagem, pois influencia diretamente o ego de quem está sendo satirizado: “Por isso, muitos políticos e homens públicos temem a charge. Ela expressa a opinião e é tempero do jornal”. Um dos políticos brasileiros mais satirizados de todos os tempos em charges e caricaturas foi o ministro da Fazenda e depois da Agricultura dos governos militares, Antônio Delfim Netto. Mas ao contrário dos políticos que se ofendem, Delfim Netto coleciona as charges e caricaturas em que foi satirizado.
O cartunista de A Tribuna Ricardo Augusto Alonso, que assina os seus trabalhos como Jottas, também vê a charge como uma ferramenta tão importante quanto o texto. “Afinal, há milhões de anos as pessoas começaram se comunicando por desenhos. Por isso, acho que um desenho vale mais que mil palavras”, diz. Jottas conta que o desenho resumido em um só quadro atinge todos os níveis: “Desde pessoas com baixa escolaridade, até aquelas que não têm muita paciência de ler uma notícia inteira”.
Já Alexandre Ponciano, que assina como Alex Ponciano no jornal Expresso Popular, diz que a charge é a “válvula de escape” de uma publicação, pois relata de forma mais leve as mazelas dos governos, demonstrando a sua indignação. “Um jornal que não tem charge, não tem opinião, e pode até mesmo perder leitores. Mas fazer charges exige que se tenha senso crítico e muito critério, pois uma charge pode causar grandes estragos na sociedade”. Ele lembra de uma charge que causou um grande impacto, de Pelé incorporado como Nossa Senhora da Aparecida: “Na época, para os católicos, isso representou um tremendo desrespeito”.
Mas nem sempre uma charge precisa causar transtornos. Às vezes, uma pitada de humor pode ser muito mais eficiente quando se quer criticar um fato ou a sociedade. E humor é a especialidade de DaCosta. Considerado por Ziraldo como “o último desenhista brasileiro de humor”, ele conquistou com a charge intitulada Os Três Poderes o primeiro prêmio na categoria Charge do Salão Internacional de Humor de Piracicaba em 2006, considerado o maior festival do mundo no gênero. DaCosta já trabalhou em jornais como Folha da Tarde, A Tribuna, Jornal da Tarde e Diário do Povo, além de publicações da Editora Abril. “O humor é um instrumento de crítica social e é assim que o utilizo”, diz.
Mais do que personagem
O professor e cartunista Alexandre Barbosa, o Bar, diz que uma charge pode, às vezes, incomodar mais do que uma reportagem, pois influencia diretamente o egode quem está sendo satirizado: "Por isso, muitos políticos e homens públicos temem a charge. Ela expressa a opinião e é tempero do jornal". Um dos políticos brasileiros mais satirizados de todos os tempos em charges e caricaturas foi o ministro da Fazenda e depois da Agricultura dos governos militares, Antônio Delfim Netto. Mas ao contrário dos políticos que se ofendem, Delfim Netto coleciona as charges e caricaturas em que foi satirizado.
Matéria produzida em 2007
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